Foi preso duas vezes por defender os ideais da Independência Nacional. Viveu um tempo em Portugal, mas, nos finais da década 90, viu-se obrigado a regressar a Angola, atraído pelo “cheiro da terra” natal e pelo sonho de contribuir para um País melhor. Justino Pinto de Andrade, em entrevista às ‘Conversas E&M’, que marcam os 25 anos da primeira revista nacional de especialista económica, ostenta, por isso, um discurso difícil de passar ao lado da abordagem política.
De uma família com laços históricos com o MPLA, o docente universitário e deputado à Assembleia Nacional é um homem que não poupa disrupções quando a ‘agenda’ aponta para a prossecução de causas e princípios que defende, como são os casos dos valores da democracia.
Diz ter participado na luta pelo multipartidarismo em Angola, mas, olhando para a realidade do País, afirma que “nem sempre um sistema multipartidário corresponde a um regime democrático”.
E atribui a culpa pelo atraso democrático do País aos movimentos de libertação nacional, acusando-os de se assumirem “como os donos do País, como os novos proprietários” de Angola.
Foi, aliás, por este quadro que, com mais alguns companheiros de causa, fundou o Bloco Democrático, partido de que foi o primeiro presidente e pelo qual chegou, nas últimas eleições gerais, a deputado, enquadrado no Grupo Parlamentar da UNITA, por conta da Frente Patriótica, projecto ao qual o ‘seu’ BD, à semelhança do PRA-JA, ‘de’ Abel Chivukuvuku, se associou no pleito de 2022.
E fundamenta uma das razões de ter abandonado os ‘camaradas’: “Nota-se, hoje, a resistência que, de uma forma geral, é imposta no MPLA pelo seu próprio presidente: uma resistência à pluralidade de ideias, (...) não conseguem libertar-se desta ideia de que o líder de hoje tem que escolher o líder de amanhã”.
Não obstante estar, agora, do lado da oposição, Justino Pinto de Andrade deixa claro que é “de uma oposição democrática”, realçando-o com o facto de ser membro fundador de um projecto “democrático, plural”, que é o Bloco Democrático.
“Eu não me confundo com todas as oposições”, atira o também co-fundador do Centro de Estudos e Investigação (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN), articulista e membro do Conselho Editorial da revista Economia & Mercado.
Releva a paz conquistada em 2002, para quem proporcionou a livre circulação de pessoas e bens e o reencontro das famílias angolanas: “Os angolanos podem viver dentro do seu próprio País, isto é uma grande vantagem do fim da guerra civil”.
Entretanto, lamenta que, mais de 20 anos depois, o País goze apenas de uma “paz relativa”, porquanto, observa, apesar de as pessoas andarem à vontade, há “momentos em que são reprimidas”.
O veterano político afirma que, no País, existem ainda vestígios “muito grandes dos traumas” causados pela guerra, que fazem com que as pessoas ainda olhem para o “adversário como inimigo”, e “hostilizem aqueles que não pensam” da mesma forma.
“Hoje, passados 22 anos, desde o acordo de paz, em 4 de Abril, ainda não conseguimos pacificar efectivamente os espíritos. Isto é um bocado difícil porque estes traumas não desaparecem com facilidade. É preciso acções concretas de introspecção para que possamos, de facto, deixar de pensar que somos inimigos uns dos outros. Nós ainda não conseguimos pacificar os espíritos”, afirma, preocupado.
Justino Pinto de Andrade denuncia que se está a “arrastar” a actual geração para os “problemas que ela não viveu” e em relação aos quais “não tem culpa nenhuma”.
“Nota-se que há a tendência para arrastar uma geração que não fez guerra (...). Mas, de qualquer forma, será um bocado difícil desligar esta geração do passado, porque esta geração ainda é subsidiária do passado, é filha daqueles que foram os actores do passado”, atira.
Em relação ainda à actual geração, o docente universitário avança que, no futuro, já não terá nada a ver com a guerra” e que, inclusivamente, há já muitos desligados completamente destes registos.
“A guerra que eles querem é a guerra do emprego, a guerra do bem-estar, a guerra da paz. Os níveis de desemprego são, cada vez mais, elevados. E se olharmos para o desemprego informal, então ainda pior…”, declara.
A ilusão do petróleo
Justino Pinto de Andrade critica que, volvidas décadas, a economia angolana não se tenha libertado da dependência do petróleo, uma commodity que, sublinha, vem perdendo relevância no contexto dos mercados internacionais do ‘ouro negro’.
Opõe-se à “grande ilusão” que foi criada de que, à medida que o petróleo fosse reduzindo a sua participação na pauta económica do País, iriam surgir “novos factores dinamizadores” da economia.
“O petróleo está praticamente a estagnar (...), e não temos nenhum produto que substitua o petróleo nesta dinâmica. (...) Há (...) uma enorme dificuldade para mantermos o padrão de vida que era necessário para o povo se sentir mais ou menos satisfeito. E vemos que metade das receitas que o País arrecada são para pagar dívida”, afirma.
Sublinha a importância da aposta no sector social, no entanto, observa que a economia é o segmento determinante: “O sector social tem que ser devidamente atendido. Mas a área dinâmica da economia não é o sector social; se for aos Estados Unidos, são as empresas”, exemplifica.
Justino Pinto de Andrade defende, por conseguinte, uma maior aposta do Estado na Economia, observando que a parte mais dinâmica da economia deve ser o sector privado, que gera empregos, e “não pode ser o hospital, que, também, tem limites; a escola ou a Polícia”.
“Criaram universidades numa lógica mais ou menos de lanchonete”
Na conversa que manteve com o jornalista Sebastião Vemba, que pode acompanhar aqui, o deputado à AN manifestou-se preocupado, igualmente, com o facto de o Estado se transformar no “maior devedor dos empresários” e, com incumprimentos, impedir as empresas de avançar.
“Muitas empresas não avançam, não conseguem gerar recursos, porque o Estado não paga. Muito do empresariado ainda está altamente dependente do Estado como único cliente, portanto, as empresas foram criadas porque houve uma oportunidade de negócio com o Estado”, denuncia.
Diz que a mesma desvirtualização aconteceu com a expansão do ensino universitário, para quem, nos últimos anos, cresceu quantitativamente, mas não qualitativamente.
“Muitas das universidades e institutos superiores foram [criados] numa lógica um bocado perversa, como espaços para ganhar dinheiro, e não para gerar competências. Então, aqueles que tinham capacidade de dinheiro para investir no ensino superior criaram universidades e institutos numa lógica mais ou menos de lanchonete”, atira.
O deputado refere que, a nível do sistema de ensino, o Estado devia ser um ente de referência: “Até os nossos empregados domésticos dizem que têm o filho no colégio, na escola privada. Portanto, o Estado ausentou-se, não consegue acompanhar a dinâmica da sociedade, não consegue criar um ensino de base de qualidade e em quantidade suficiente”.
Diplomacia: A favor da abertura, mas com cautela
Justino Pinto de Andrade aborda a cooperação com a China e abertura da diplomacia angolana a outros players importantes no panorama internacional, como são os casos dos Estados Unidos.
Em entrevista à E&M, diz que, por não exigências políticas ao seu parceiro angolano, contrariamente a outros parceiros internacionais, as relações com a China foram vistas como privilegiadas.
“Acho que devemos ter relações com todos os países do mundo. E devemos saber escolher o tipo de relações com cada um dos nossos parceiros. Não devemos excluir ninguém. Devemos abrir a nossa economia, porque é assim que os países se desenvolvem”, considera.
“Agora, é preciso, também, ter atenção que nem todos os parceiros são convenientes”, alerta o deputado na entrevista em que, entre outros temas relevantes da história, política e economia do País, recorda o seu regresso a Angola e fala, sem rodeios, sobre os seus sonhos.