José Octávio Serra Van-Dúnem é um rosto conhecido da academia em Angola. É um homem comedido. Crítico, quando necessário. Não é a favor de extremismos. Assume-se como um afro-realista, que prefere encontrar sempre uma saída para alimentar o optimismo, a esperança.
Não consegue dissociar-se do contexto sociológico quando é desafiado a fazer abordagens sobre vários fenómenos, sejam eles políticos ou económicos. Nada mais óbvio, tendo em conta a sua ‘zona de conforto’: doutorado em Sociologia.
Aos 62 anos, mais de 30 dos quais dedicados à docência, José Van-Dúnem diz-se um homem que se realiza todos os dias. Elege a redução significativa da pobreza e da desigualdade no País como o seu grande sonho.
Sabe da complexidade do desafio, mas sublinha que Angola tem todas as condições para o vencer. Optimista no futuro, não sabe, entretanto, se terá a oportunidade de, ainda em vida, poder testemunhar uma sociedade mais justa.
O desafio de descrever o País dos últimos 25 anos é consumido por uma abordagem sobre a paz, para quem permitiu que as pessoas pudessem “finalmente, começar a pensar país, mas ainda com um custo muito alto”.
“Porque ela só por si, o calar das armas só por si, não resolveu os problemas, nem poderia resolver (...). Temos novos desafios com velhos problemas”, atira o director do Centro de Estudos Jurídicos, Económicos e Sociais da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (CEJES).
E explica-se: “Entrámos num processo de desagregação social muito grande, os efeitos do conflito que tivemos, não só efeitos do ponto de vista da perda de pessoas, mas há um efeito social muito grande naquilo que é o esgarçar das relações sociais. Temos que fazer este reencontro novamente”.
José Octávio Serra Van-Dúnem especifica que o “esgarçar das relações sociais” tem que ver com a pobreza, a desigualdade, os extremismos do ponto de vista de algum desafecto político que possa haver entre partidos políticos e não só”, elementos que “complicam processos de desenvolvimento”.
Entretanto, nota que este “reencontro” deve ser feito no respeito pelo tempo, pelo contexto e realidade do País. Diz que, diferentemente de outras nações europeias, Angola está a fazer a sua construção “dois em um”. Ou seja, explica, está a consolidar a nação e a construir o Estado.
Recorda as complexidades do contexto de Angola, considerando-o “um país multitudo”, dada a sua diversidade cultural, que lhe faz “pluritudo, pluricultural, plurilinguístico, plurimusical, plurigastronómico…”.
Não obstante esta diversidade, José Van-Dúnem afirma que os angolanos têm fios-condutores que os ligam, e que, muitas vezes, resultaram do conflito e das dinâmicas demográficas de mudança de pessoas de um lado para o outro, o que, no seu entender, criou um certo elemento de congregação.
O sociólogo reitera, por isso, a necessidade de o País tirar um maior proveito destas valências, para que a consolidação da pretendida congregação seja efectiva.
“Por isso, falo em diminuirmos as assimetrias sociais, combatermos a pobreza de forma efectiva, diminuirmos as desigualdades, darmos espaço de cidadania activa e participativa às pessoas, com a possibilidade do acesso ao emprego”, elenca, tudo isso “com a educação à cabeça”, destaca.
“Esse é o meu olhar. Não sou pessimista, sou um optimista realista, porque percebo que temos, aqui dentro, todos os elementos para dar certo”, afirma o docente universitário.
Um novo pacto social
O director do CEJES adverte que o cepticismo e o radicalismo podem criar, sobretudo na camada juvenil, uma dinâmica negativa, que gera uma sensação segundo a qual não há espaço para esperança. Adverte, contudo, que é preciso que se criem condições para que os jovens possam ter esperança.
“E, aí, entra a responsabilidade do Estado, a responsabilidade das famílias, a responsabilidade da escola, e todo esse processo de construção daquilo a que a gente chama o homem novo, o homem do futuro”, observa.
Defende, por conseguinte, um pacto social, assente na necessidade de cada actor que compõe o Estado angolano cumprir a sua obrigação, no sentido da construção de um País melhor.
Na conversa que manteve com o director da Economia & Mercado, no âmbito dos 25 anos da primeira revista de especialidade económica do País, José Octávio Serra Van-Dúnem foi desafiado, igualmente, a abordar a ‘fuga’ de jovens angolanos para o exterior, à procura de melhores condições sociais.
Cauteloso, observa que o fenómeno migratório é complexo. Recorda que, contrariamente aos jovens que deixam o País, há quadros de países para onde os angolanos vão que preferem Angola para trabalhar.
Entende, contudo, que os jovens tenham pressa, que é legítima a sua expectativa, pelo que apela ao Estado e à classe empresarial a “irem mais rápido”, para não defraudar a expectativa da juventude.
“É importante que se evite isso [emigração massiva]. Para quê? Para que eles percebam que aqui, no seu próprio País, há um espaço para si, há um espaço de realização”, anseia.

Imaginário de felicidade mudou
José Octávio Serra Van-Dúnem reitera que “não adianta extremar situações”, porquanto “o Estado não faz tudo, não pode fazer tudo, nunca vai fazer tudo”, e que há coisas fundamentais da responsabilidade do Estado, algumas da esfera do privado e outras ainda da responsabilidade do próprio cidadão.
Sublinha que, há 40 anos, o imaginário de felicidade da geração a que pertence era completamente diferente, observando que, hoje, entram novos elementos “que nos levam para o mundo e que nos trazem o mundo até nós”.
“E qual era o nosso imaginário de felicidade? Era um imaginário um pouco mais limitado, tinha muito a ver com o nosso local, com o nosso locus (...). Hoje, um jovem pode estar aqui em Luanda e o seu imaginário de felicidade estar em Tóquio, em Nova Iorque”, diz o docente universitário.
Em entrevista na rubrica ‘Conversas E&M - 25 Anos’, que pode acompanhar na íntegra aqui, José Octávio Serra Van-Dúnem aborda ainda, entre outros temas, a valorização do mérito, a sua visão sobre as Autarquias e a importância dos diagnósticos e da investigação na formulação das políticas públicas.