Há, no País, um domínio acentuado da produção agrícola familiar comparativamente à produção do segmento empresarial. Para o presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Angola (CCIA), este desnível pode explicar-se, também, pela falta de clareza sobre o destino do financiamento alocado aos empresários agrícolas.
Num recente encontro, em Luanda, testemunhado por Isaac dos Anjos, ministro da Agricultura e Florestas, o engenheiro Vicente Francisco Soares referiu que é importante avaliar os fundos e financiamentos colocados à disposição do sector pelo Executivo, aos quais muitos empresários agrícolas têm tido acesso.
“Foi aqui dito que grande parte do que comemos hoje vem do sector familiar; o sector empresarial participa com uma quota muito pequena. Primeiro, é preciso fazer uma avaliação criteriosa de quem recebeu o dinheiro, como utilizou”, disse o líder da CCIA, que apelou à revelação dos empresários que beneficiam desses financiamentos e o destino que dão aos recursos.
“Não sei se não será possível fazer-se, também, uma divulgação, para que as pessoas saibam quem teve acesso ao financiamento e o que é que fez com o financiamento. É dinheiro de todos que o Governo dá às pessoas”, atirou.
No recente encontro de recolha de sugestões para a elaboração da Estratégia Nacional de Reconversão dos Sistemas Agro-alimentares 2026-2035, Vicente Francisco Soares sugeriu que, em nome do interesse público, fossem ultrapassadas questões de privacidade bancária, tornando públicos os dados sobre financiamentos.
“Há aqueles critérios que a banca tem, sim senhora, de sigilos, mas temos que encontrar uma forma de estimular os outros a candidatarem-se também (...), para ver se conseguimos minimizar a situação [da fome]. Sabemos que os recursos são escassos, não chegam para todos, mas, pelo menos, aqueles que receberam vir aqui e dizer que ‘tive acesso e consegui fazer isso e aquilo’”, reforçou.
Em relação à ENRSA 2026-2035, um plano que visa combater a fome e a pobreza – o documento está em fase de consulta pública –, o presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Angola sublinhou a elaboração de vários planos para alavancar a economia nacional, mas apontou para fragilidades na definição de estratégia de implementação.
“Temos sempre dito que temos boas estratégias, bons programas, mas, normalmente, falhamos na implementação. A estratégia deve incluir a sub-estratégia de implementação. Fazermos estratégia e não sabermos como vamos implementar, não vale a pena”, observou.
Sugeriu que uma ‘sub-estratégia de implementação’ deve incluir, igualmente, um mecanismo que permita responsabilizar quem tem o dever de fazer o acompanhamento dos programas cujos financiamentos derivam de fundos públicos.
Lamentou a existência, no País, de programas que, por falta de acompanhamento à altura, caírem na inutilidade, recordando, inconformado, da falência de “um espaço bonito” desenvolvido por ex-militares no Waku Kungo, província do Cuanza-Sul.
“Temos que fazer programas, mas tem que haver sustentabilidade dos programas, responsabilizar as pessoas que acompanham os programas. Como é que o programa, quando estavam lá uns, funcionava, os outros saíram, já não funciona?”, indagou.
Vicente Francisco Soares apelou a trabalhos de sensibilização para adesão ao campo como forma não apenas de combater a fome e a pobreza, mas, também, para reduzir o êxodo rural, evitando que o País tenha “cidades abarrotadas de gente”.
“Quando dizemos que ‘a agricultura é a base’, devemos, também, criar um outro slogan: ‘Todos para o campo’. Ou seja, devíamos montar a estratégia que permitisse criar na mentalidade das pessoas, particularmente dos jovens, a vontade de trabalhar na agricultura, e sentir que é um meio que pode não só matar a fome, mas, também, criar recursos”, conjecturou.