“O Paladar não Retrocede” é o título do seu último livro. É filosófico ou é constatação?
Nem de longe é filosofia. É constatação. Primeiro, porque todo o meu trabalho é muito prático e pragmático. Não é pautado na teoria. É super prático. Todos nós somos resultado de impactos que foram modelando as nossas expectativas. Desde a infância que somos educados desde a roupa que vestimos, as viagens que fazemos, pelo professor na sala de aula. Somos educados por aquilo que bebemos e que assistimos. Todas as vezes que somos surpreendidos e encantados, não temos vontade de dar o passo para trás. Se você dirige um carro, último modelo do mercado, não sente falta do seu último carro simples. Se você viaja pela classe executiva, não sente saudade da classe económica.
Por que acha que todos ‘os empresários deviam se inspirar na gestão do luxo’? É uma afirmação sua.
É sim minha afirmação e te parabenizo, porque você fez trabalho de casa. A actividade económica do luxo é a uma das que mais cresce no mundo sem interrupção, nos últimos 35 anos. O primeiro ponto de observação é: quando olho para uma actividade que cresce muito e expande e diversifica, é porque alguma coisa está acontecer ali. Na França, uma das principais economias do mundo, a actividade do luxo ocupa a quarta posição em termos de contribuição do PIB. Economicamente, os gestores e empresários têm muito a aprender com esse modelo.
Como se aplicaria na vida prática empresarial?
Entendemos que qualquer serviço, produto ou segmento de actividade económica pode aprender com o luxo como uma inspiração. Não precisa tornar-se luxo, pode elevar o patamar da qualidade do serviço. Pode fazer uma loja diferente, um atendimento mais emocional, pode ser mais cuidadoso num hotel, numa loja de conveniência, num Spa e outros. São muitas as possibilidades para aprender-se com o luxo como ferramenta de gestão.
A maioria dos empresários de que você é consultor tem consciência disso ou encontra muitas zonas cinzentas?
Na verdade, a maior parte das vezes é só zona cinzenta. O exercício é exactamente tirar da zona cinzenta, educar investidores, empresários e empreendedores que é possível fazer diferente. Enquanto clientes, queremos ser sempre surpreendidos com atendimento, serviço e produto diferente. O desafio é fazer os investidores e empresários acreditar que há sempre espaço para crescer.
Onde encontra mais zonas cinzentas, considerando que o seu mercado preferencial de actuação é a América Latina, Europa e África?
Não diria onde encontro maior dificuldade, mas maior maturidade. A Europa é o berço da diferenciação do luxo, é o berço do que chamamos Lifestyle. A Europa está num patamar de maturidade e sofisticação elevado. É a região número um em tudo que diz respeito ao luxo. Tem história. Quanto às américas e prefiro dizer américas, os Estados Unidos são a maior economia do mundo. Logo, são uma máquina que precisam o tempo inteiro de subir. Tem exemplos extraordinários. Agora, quando falamos da América Latina, gosto de comprar com África, porque temos muitas coisas parecidas. Muitas dificuldades sociais e muitos problemas políticos. O que muda são as perspectivas.
Como caracteriza as perspectivas?
Olha, Brasil é um país de 200 milhões de pessoas. Angola tem 35 milhões. As perspectivas são diferentes. É a minha quarta vez em Angola e sempre acho que o Brasil e Angola somos irmãos gémeos e fomos separados na infância. Somos muito parecidos nas nossas dificuldades e nas nossas oportunidades.
O que representou para si, ter sido o primeiro CEO da Louis Vuitton/Brasil?
Na verdade, tem uma história mais interessante. Sou o primeiro profissional executivo contratado por uma marca de luxo na América Altina. Não somente no Brasil. Até aquele momento, todas as marcas que operavam na América Latina, eram marcas de investimento local. Fui funcionário da França, alocado na região da América Latina. Antes de ser o CEO da Louis Vuitton, fui executivo de 14 mercados. De toda a região da América Latina e Caribe. Aqui tem um ponto importante. Fui o primeiro profissional a falar de luxo numa região do mundo que só tinha problemas de inflação, de desemprego, violência…
Era um grande desafio…
Era um grande desafio. Imagina, fui falar de luxo na Colômbia, quando era destruído pelas drogas. Fui falar de luxo no México, quando era destruído pelas máfias. Fui ao Brasil quando tinha hiperinflação na ordem de 90%. Ter sido executivo de uma marca de luxo, deu-me a vantagem de um aprendizado muito duro, porque não conheço luxo pelo meu prazer pessoal. Conheço o luxo pelo trabalho. Trabalhar naquela região deu-me as costas machucadas. Fui o CEO mais jovem do grupo LVM (Moët Hennessy Louis Vuitton), numa posição de presidente, aos 30 nos de idade, o que me colocava na posição global de executivo mais jovem.
Que caminho percorreu para, com 30 anos de idade, atingir o topo da gestão num grupo de prestígio?
Venho de uma região do Brasil muito pobre. Venho de uma família de migrantes portugueses, muito simples, fugida de guerra e pobreza de Portugal. A minha estrutura familiar sempre foi básica e o que tinha que fazer, no dia a dia, era me superar. Comei a trabalhar aos nove anos, no botequim e na tasca do meu pai. A superação era o que me restava. Fui o primeiro da minha família a fazer uma formação de extensão internacional. Trago comigo esse orgulho de ter conquistado e não ganho o que tenho. Trabalho muito para fazer as coisas acontecer.
Que informação tem sobre o mercado do luxo angolano, uma vez estar em Angola pela quarta vez?
Primeiro vou falar do angolano. O angolano é um consumidor muito importante das marcas de luxo. Há alguns anos, os angolanos – mulheres e homens, estavam entre os primeiros clientes no Brasil, em marcas de luxo, em Spa’s, clínicas de luxo, fertilização, clínicas dermatológicas… os homens angolanos são os principais clientes de dermatologia no Brasil.
E o mercado?
Há oito anos que não vinha a Angola e deixa-me dizer-lhe o que vi. Não vou falar de obstáculos, porque já venho de uma região onde tem obstáculos e são conhecidos. Há 14 anos, quando vim, pela primeira vez, vim pelas mãos de empresários que pretendiam instalar uma clínica deontológica diferenciada. Agora encontro um país totalmente transformado, com imensos serviços inovadores. Vi Spa´s com tecnologia de ponta, que não havia, há 14 anos. Vi em supermercados área de gourmet que não havia, na altura. Quando vim aqui, pela primeira vez, não havia um hotel cinco estrela. Muitas vezes tem-se a percepção de que luxo é a ter uma loja da Louis Vuitton, da Prada ou da Chanel. Isso é um luxo. Existem outros: o da hotelaria, da gastronomia, do carro, da perfumaria, de objectos de decoração. Tem esses níveis todos, que ao longo dos anos, foi muito elevado nos últimos tempos.
Você tinha previsto chegar até este topo da sua carreira?
Tenho que tirar isso em romance ou poesia, porque quando você trabalha muito, parece que tudo é resultado de um romance ou poesia. Tem muita gente que escreve que eu fui visionário ao criar a minha empresa de consultoria, na região das Américas. Eu não fui visionário, não criei a minha empresa porque queria ser empreendedor. Saí da Louis Vuitton para voltar ao mercado. Continuo consultor do grupo, porque desenvolvemos uma relação extraordinária e até hoje faço projectos para eles. Saí porque já era o momento de sair. E queria fazer um sabático de seis meses, mas 12 dias depois de ter saído da Louis Vuitton, o governo brasileiro entra em contacto comigo, para que eu coordenasse um projecto oficial do Brasil na França. Era a primeira vez que o Brasil faria um movimento internacional de inteligência de marca diferenciada. O Brasil estava a criar a primeira agência de promoção das exportações brasileiras, no governo do Fernando Henrique Cardoso. Abri a minha empresa porque tinha que emitir factura para ser pago pelo governo. e nasci dessa forma e nem esperava que fosse sobreviver um ano. E hoje, 22 anos depois, tenho projectos em quase todos os países da América Latina, faço trabalhos em Portugal há 17 anos. Com a Mónica cheguei a Moçambique e regresso a Angola. Quando olho para isso nem acredito.