Exposições de artes visuais já se tornaram uma marca da cidade capital e os últimos anos têm nos mostrado que, apesar do circuito ainda muito fechado, é um sector com certo grau de sustentabilidade. Entretanto, no meio disso tudo, volta e meia deparamo-nos com situações bastante constrangedoras, como quando, por exemplo, alguns desses encontros são “pintados” de protocolo excessivo, ferindo, gravemente, a sensibilidade de vários players.
Nesse caso em particular, como em muitos outros, a vítima é a imprensa.
O artista plástico angolano Álvaro Macieira, uma figura de referência nos meandros do jornalismo cultural, profissão que exercia até enveredar para as tintas e telas, teve inaugurada ontem à noite, quinta-feira, no Palácio de Ferro, a sua mais recente exposição individual, denominada “Angola Kiesse – Tons e Cores”, um projecto que destaca a versatilidade que lhe é característica, juntando quadros nos quais vem trabalhando ao longo dos anos. Traz história, passando pelo início da luta de libertação nacional, cores alegres, simbolizando a nossa música e dança, o som dos batuques, etc, e é onde entra a expressão “Kiesse” (kyese), que, traduzida do kikongo, significa “alegria”, esse sentimento que fica aí exposto até 30 de Junho próximo.
É o resultado artístico da sua jornada espiritual e, por isso, uma proposta que nos despertou enorme interesse de cobertura. Pela sua envergadura, tem até envolvidos três jovens artistas emergentes como curadores.
Mas a nossa presença no lançamento dessa bela exposição não durou muito tempo, tal e qual a nossa alegria, porque, após pouco mais de uma hora de atraso, sentimo-nos coagidos a não acompanhar sequer o pontapé de partida da “festa” como tal, por termos vivido um episódio que nos deixou bastante desapontados.
Sim, desistimos de cobrir o evento, embora tenhamos tido a oportunidade de entrar na sala de exibição e vislumbrar o que Macieira trouxe dessa vez para o grande público apreciador das artes plásticas. Ainda que inocentemente, a actividade decorreu de modo parcialmente elitista, dividida em dois públicos. O primeiro chegava a tempo e se sentava num cenário criado para os visitantes, à porta daquele património cultural, sendo recebido por um grupo de música e dança tradicionais. Era impossível não se deixar levar por aqueles toques e batucadas magníficos. O segundo grupo era então de convidados especiais, entidades seleccionadas para antes da abertura oficial visitarem o recinto onde se encontram as obras e interagir com o artista.
Por ser uma situação de fácil gestão, lá estávamos nós a fazer alguns registos fotográficos, embora, por causa desses visitantes, já não fosse possível entrevistar o anfitrião no momento. Saímos para tomar um ar por instantes, e em questão de minutos chegava uma outra comitiva, aparentemente merecedora de maior reverência, ao percebermos que dessa vez o protocolo era maior. Pelo que ficámos a saber, uma ordem foi dada às senhoras porteiras para mais ninguém entrar. Preparámos a câmera fotográfica e, reverentemente, queríamos voltar para lá. Uma delas abana a cabeça em jeito de negação, impossibilitando a nossa entrada. Dois outros jornalistas, de um órgão diferente, faziam fila connosco naquele momento de interrupção. Delicadamente, tentámos explicar o que já parecia claro o suficiente. Que éramos imprensa e precisávamos cobrir aquele momento, à semelhança do primeiro. Mas eram ordens superiores e não pudemos fazer grande coisa, até que de repente a comitiva saía para o quintal e o interesse já se perdera.
No entanto, enquanto o protocolo só cumpria ordens, uma entrevista era cedida à TV Zimbo. De repente, tornámo-nos um emplastro, é a percepção com que ficámos, ou então terá sido mais uma vez a comunicação institucional a cometer um dos seus vários pecados: não funcionar correctamente.
A insistência em barrar “a outra imprensa” deixou claro que não se tratou de equívoco nenhum. Era claramente adulação. E talvez devéssemos entender o facto como sendo má interpretação de quem recebeu as ordens e as acatou sem dar espaço a um ponto de equilíbrio, porém, vendo totalmente ignorada a tentativa de se apaziguar a situação, tal e qual os problemas mais básicos do país, fez-nos perceber que manter cargos ainda nos preocupa mais do que o bem servir.
Terá sido apenas um mal-entendido? Pouco provável, quando condutas do género são recorrentes para com a imprensa e não só. E a classe privada quase sempre apanhada de surpresa no meio de várias irregularidades...
Isso deixa claro, mais uma vez, em que pé estamos na preparação do capital humano nas nossas organizações, porque coisas há que não precisam ser desenhadas. Impedidos de acompanhar uma visita guiada a uma exposição, embora blocos de notas, documentos identitários e câmeras fotográficas fizessem parte da nossa apresentação na actividade, e embora a imprensa, no geral, fosse convidada.
Um indivíduo inexperiente no exercicio das suas funções ou treinado a não reconsiderar certos factores? Precisamos ensinar os nossos colaboradores a gerirem conflitos e a encontrarem equilíbrio para cada situação. Entre o excesso de zelo e a não passagem ao questionamento, há um abismo.
Contudo, os elogios ao artista e à exposição permanecem!