As trocas comerciais entre os dois países registaram, em 2021, um desinvestimento de 170 milhões de euros, da parte portuguesa, e o investimento directo angolano em Portugal sofreu uma quebra no valor aproximado de 130 milhões, passando de cerca de 270 milhões, em 2020, para 30 milhões de euros em 2021, segundo dados do Banco de Portugal.
Com a visita de António Costa a Luanda, realizada no início deste mês, espera-se que resulte na alteração do actual quadro das relações económico-comerciais, já que, da agenda, constou o reforço das relações bilaterais a nível político, económico e cultural. Mas não é tudo.
Da visita resultou a assinatura de 13 acordos nos domínios económico e financeiro entre os dois governos, com destaque para o Programa Estratégico de Cooperação (PEC) 2023/2027 e o aumento da linha de crédito empresarial de 1,5 mil milhões de euros para dois mil milhões de euros.
Constam ainda os acordos entre os portos de Sines e Algarve e a Sociedade de Desenvolvimento da Barra do Dande, acordo de formação e apoio laboratorial para a segurança alimentar e um memorando que envolve a investigação criminal neste domínio.
Ainda no domínio da formação técnico-profissional, a Agência Lusa assinou um protocolo com o Centro de Formação de Jornalistas de Angola.
João Lourenço, Presidente de Angola e António Costa, Primeiro-Ministro de Portugal, testemunharam também um acordo rubricado entre o Instituto Português da Qualidade a sua contraparte angolana, que contempla “uma licença de uso da versão portuguesa de normas europeias”.
Os empresários angolanos e portugueses entendem que razões de ordem burocrática estão na base de algum esfriamento no fluxo das trocas comerciais, com realce para a obtenção de vistos e, no caso de Angola, as débeis infra-estruturas que encarecem o custo de produção.
Este é, por exemplo, a conclusão a que chega o presidente de direcção da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola, em entrevista à E&M. “As queixas e reclamações dos empresários portuguesas são as mesmas que existem relativamente a Portugal: é preciso menos burocracia nos procedimentos comerciais e financeiros e maior celeridade nos processos de decisão”, afirma João Luís Traça, cuja entrevista pode ler-se na íntegra mais à frente.
Já o economista Fernandes Wanda lembrou que Portugal foi o país que mais mostrou intenção de investir no sector não-petrolífero no período entre 2003 e 2011, citando dados da antiga ANIP (Agência Nacional de Investimento Privado). Passados 12 anos, as mesmas razões que inibiram tais investimentos persistem. “É preciso, primeiro, ter infra-estruturas capazes de acomodar tais investimentos de Portugal e/ou de outros países”, defende o também coordenador do Centro de Estudo e Investigação Científico da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto.
Wanda refere que, embora Portugal não tenha uma indústria transformadora forte, à semelhança de outras economias europeias, Angola precisa de investimentos de capital fresco de quem estiver disposto. A fonte realça, entretanto, o factor histórico das relações entre os dois países, cujos laços unem famílias. “Muitos empresários portugueses conhecem a realidade angolana e, quando cá chegam, rapidamente se adaptam ao contexto”, disse o académico, que desaconselha “mais financiamentos que ajudam as empresas de construção portuguesas e aumentam a dívida de Angola”.
Sobre a queda dos investimentos dos dois lados, considera que, num passado recente, "empresários", angolanos impulsionados pelos petrodólares, adquiriram participações importantes em Portugal, porque, no seu entender, o mercado era favorável. “Portugal deve ser visto como porta de entrada para os produtos e serviços feitos em Angola no mercado europeu”, ressalta o economista.
Os números da relação
Consta que o Investimento Directo Estrangeiro (IDE) conhece ligeira estabilidade desde que João Lourenço chegou à Cidade Alta, em 2017. Em Dezembro de 2019, totalizava 2.249 milhões de euros e um ano depois fixava-se nos 2.176 milhões de euros.
Neste período, de modo geral, o Investimento Directo Português no Estrangeiro registou uma queda assinalável, sendo que, em Dezembro de 2017, ascendia a 4.547 milhões de euros e, em 2020, já tinha descido para 1.944 milhões.
Relativamente às exportações para Angola, dados do Instituto Nacional de Estatística de Portugal indicavam para uma redução de 2,8% no primeiro semestre de 2021, em termos homólogos, tendo as importações registado uma queda na ordem de 78%
A queda da influência de Isabel dos Santos, na sequência do ‘Luanda Leaks’, é apontada como dos principais factos ocorridos nos últimos 11 anos, nas relações entre empresários angolanos e portugueses, com os exemplos mais evidentes a serem as consequências do desaparecimento do Grupo Espírito Santo.
As relações económicas entre os dois países têm maior importância no sector da banca, uma vez que a década de 90 marcou a entrada dos bancos portugueses em Angola, com a normalização do sistema financeiro do país, depois das nacionalizações pós-independência.
Dos bancos que compõem o sector bancário angolano, cinco concentram a maioria do mercado. Desses, dois têm capitais de origem portuguesa: o Banco de Fomento Angola (BFA), de que o BPI é accionista, e o Banco Económico, antigo Banco Espírito Santo Angola (BESA), do grupo Espírito Santo, que acabou por ser arrastado na derrocada do grupo.
A notícia mais recente sobre o BPI foi avançada em finais de Maio pelo Jornal Económico de Portugal, dando conta de que a instituição financeira tem em curso um processo organizado de venda do BFA, do qual é accionista com 48,1%. O periódico disse ter apurado que o banco mandatou a boutique financeira internacional Exotix, adiantando haver dois grupos interessados, cujas propostas vinculativas avançam este mês.
A publicação cita o CEO do BPI, João Pedro Oliveira e Costa, que confirma estar em curso o processo de venda, sem, entretanto, avançar detalhes, embora fonte do jornal revele haver duas propostas em cima da mesa. Os dois interessados são grupos angolanos. Um grupo industrial e um grupo financeiro angolano, em que há investidores com capital europeu, nomeadamente de Londres.
Desde 2017 que o Banco BPI está a tentar vender a participação que tem no banco em Angola, o BFA, e já houve vários processos desencadeados que acabaram por não desembocar numa venda.
Se, por um lado, o BPI tem de vender os 48,1% do BFA antes da venda em bolsa de parte das acções da Unitel, para evitar voltar a ser o maior accionista, por outro lado, o Banco Central Europeu recomenda que o BPI não consolide integralmente os bancos angolanos.
Perspectiva-se que, se o BPI voltar a ser o maior acionista, corre o risco de ter de consolidar integralmente o BFA, razão pela qual está empenhado em fechar o negócio em curso.
Tendo em conta a expetactiva de venda, o BPI mudou a forma de integraçãodas contas no BFA e não reconhece os resultados trimestrais, contabiliza apenasquando os dividendos são entregues, o que não aconteceu até Março, razão pelaqual o banco português só contabilizou um milhão de euros do BFA nas contastrimestrais.
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