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Rastos de pobreza, fome e seca

Sebastião Vemba
28/2/2022
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Foto:
Isidoro Suka

O Sul de Angola continua fustigado pela fome e pela seca, num cenário de pobreza extrema que arrasta centenas de famílias para os centros urbanos, à procura do que comer.

Na cidade do Lubango, às 8 horas da manhã, o sol já brilha forte. É início do ano. Janeiro de 2022. A temperatura sobe, afugentando a brisa fria de uma manhã de verão. A urbe vai ganhando agitação. As ruas asfaltadas, limpas e devidamente sinalizadas fazem esquecer o cenário de uma cidade caótica, poeirenta e com obras em todos os cantos. Foi há três anos. Naquela altura, precisamente em Agosto de 2019, uma equipa da Economia & Mercado tinha viajado para o Lubango, a fim de chegar ao Cunene, uma das três províncias do Sul do país que vêm sendo fustigadas pela seca.

Centenas de famílias, num total de 3,5 milhões de pessoas, são afectadas pela seca nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe. Na Huíla, os Gambos, a Chibia e a Humpata são as regiões mais afectadas. Naquela manhã ensolarada de Janeiro, o nosso destino era o Cunene, onde estão em curso obras estruturantes para o combate à seca e desenvolvimento de projectos agro-pecuários. Os Gambos e a Chibia ficam no percurso entre Lubango e Ondjiva (Cunene), pela Estrada Nacional (EN) 110. Cerca de trinta minutos depois de deixar Lubango, onde tivemos banho de chuveiro e um pequeno-almoço apressado em restaurante de hotel – apenas com o objectivo de ganhar tempo para a viagem -, fizemos um completo “virar de página”.

Dezenas de mulheres, entre adolescentes e idosas, esforçavam-se para tirar água de um poço. À distância, percebia-se o desânimo e o cansaço de mulheres carregando recipientes de água sobre a cabeça e crianças no colo. Apercebendo-se da nossa presença, as idosas acanharam-se. Algumas delas tratavam da higiene pessoal, enquanto outras lavavam roupa e utensílios domésticos. Contrariamente, as crianças soltaram-se, fascinadas com a máquina fotográfica. Não havendo aulas – na altura interrompidas pelo Executivo para evitar a propagação da Covid-19 –, as crianças estavam completamente desocupadas. Entretanto, fontes contactadas pela Economia & Mercado, ligadas a uma organização não-governamentais (ONG), confirmaram o aumento de abandono das aulas devido à fome, sobretudo. Nas comunidades pastoris, vários meninos se ausentam semanas a fio para conduzir o gado aos pastos e chimpacas, as grandes retenções de água a céu aberto.

Rainha, jovem de 15 anos, carrega consigo um bidão de cinco litros. Conduz-nos até junto do poço e indica de onde retiram a água para beber e para a higiene pessoal e caseira. O poço é fundo. Tem cerca de três metros de altura, mas o nível da água não atingiria o joelho de uma criança de cinco anos, daí que a água vinha lamacenta. Foi necessário, antes de encher o seu bidão amarelo reciclado, deixar a água repousar. Ainda assim, ela continuava acastanhada. “Bebemos mesmo assim”, disse-nos Rainha, quando questionada sobre se tratavam a água antes do consumo. Juntou-se à conversa uma idosa que reclamava de falta de apoios, gesticulando descontroladamente. Vinha acompanhada de outras mulheres. Uma delas, carregando uma criança no colo, a quem amamentava, levantou a blusa para mostrar a barriga vazia. “Não temos o que comer. Os maridos fugiram, as crianças estão a morrer de fome”. Contou-nos que, na ausência de outros alimentos, comem frutos silvestres, como o “figo-do-inferno”, que nasce do cato. O excesso desse fruto, revelou, causa prisão de ventre.

Leia o artigo completo na edição de Fevereiro, já disponível no aplicativo E&M para Android e em login (appeconomiaemercado.com).

Traces of poverty, hunger and drought

Southern Angola continues to be plagued by hunger and drought, in a scenario of extreme poverty that drags hundreds of families to urban centers in search of what to eat.

In the city of Lubango, at eight in the morning, the sun already shines strongly. It is the beginning of the year, January 2022. The temperature rises, chasing away the cold breeze of a summer morning. The city is getting more and more agitated. The paved, clean and properly signposted streets make one forget the chaotic, dusty city with construction work on every corner. It was three years ago. At that time, precisely in August 2019, a team from Economia & Mercado had climbed to Lubango to reach Cunene, one of the three southern Angolan provinces most afflicted by drought.

Hundreds of families, totaling 3,5 million people, are affected by drought in the provinces of Cunene, Huíla and Namibe. In Huíla, Gambos, Chibia and Humpata are the most affected regions. On this sunny January morning, our destination was Cunene, where structuring works are underway to combat drought and develop agricultural projects. Gambos and Chibia are on the route between Lubango and Ondjiva (Cunene), on National Road (EN) 110. About thirty minutes after leaving Lubango, where we had a shower and a hasty breakfast in a hotel restaurant - just to make the best of time before the trip - we face a “complete change of scenario”.

Dozens of women, among girls and elderly women, were struggling to get water from a well. From a distance, you could see the discouragement and weariness of the women carrying containers of water on their heads and children on their backs. When the elderly women were aware of our presence, they shied away. Some of them were taking care of their personal hygiene, while others washed clothes and household utensils. The children, on the other hand, loosened up, fascinated by the camera. With school out - at the time discontinued by the government to prevent the spread of Covid-19 - the children were completely unoccupied. Meanwhile, sources contacted by Economia & Mercado, linked to a non-governmental organization (NGO), confirmed the increase of school dropping out due to hunger, mostly. In the cattle rearing communities, many boys are absent for weeks on end to drive their cattle to the pastures and chimpacas, large open-air water reservoirs.

Rainha, a 15-year-old girl, carries a five-liter canister with her. She leads us to the well and shows us where they get their water for drinking and for personal and household hygiene. The well is deep. It is about three meters high, but the water level would not reach the knee of a five-year-old child, so the water was muddy. It was necessary, before filling her recycled yellow can, to let the water rest. Still, it remained brownish. “We drink it like this”, Rainha told us, when asked if they treated the water before consumption. Joining the conversation was an elderly woman who complained of lack of support, gesticulating uncontrollably. She was accompanied by other women. One of them, carrying a child whom she was nursing, lifted her blouse to show her empty belly. “We have nothing to eat. The husbands have run away, the children are starving”. She told us that in the absence of other food, they eat wild fruits, such as the “hell’s fig”, which comes from a cactus. The excessive eating of this fruit, she revealed, causes constipation.

Read the full article in the February issue, now available on the E&M app for Android and at login (appeconomiaemercado.com).