Nasceu e cresceu numa das mais aráveis terras deste País - Cuanza-Sul, mais concretamente no Libolo, “o melhor município do mundo”, diz, sorridente. Fernando Pacheco é um ‘farejador’ do cheiro da terra molhada, um apaixonado pelo campo.
Foi, aliás, por esta sensibilidade pela Agricultura que recaiu sobre o engenheiro agrónomo a escolha para a estreia das ‘Conversas E&M’ 25 anos, uma série de entrevistas que a revista Economia & Mercado vai realizar até Dezembro, altura em que se assinala os 25 anos de um órgão que chegou, viu e conquistou o seu espaço na mídia do País.
O que aconteceu em Angola nos últimos 25 anos no sector da Agricultura? Eis o mote da conversa de quase uma hora com Fernando Pacheco.
Como ponto de partida da radiografia, o agrónomo aponta que, nos primeiros três, quatro anos desse período (1999-2024), “talvez não tenha acontecido quase nada de realce” no País no segmento da Agricultura.
“Nessa altura, a guerra estava a chegar ao fim, e todos nós estávamos mais preocupados em ouvir as notícias para termos a sensação de que o País, finalmente, ia ver-se livre da guerra”, recorda.
A chegada da paz, em 2022, é a próxima paragem. Foi aqui, lembra, que, nos últimos 25 anos, o sector da Agricultura começa, então, a “mexer-se”.
Com a aproximação da possibilidade de haver paz, conta o agrónomo, o então Governo, liderado por José Eduardo dos Santos, fez um acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) para um projecto de assistência técnica, voltado para a elaboração “daquilo que se poderia vir a chamar a reconstrução, a reabilitação” da agricultura familiar.
“Foi um documento ‘bastante bem’ feito. Os técnicos, quer os da FAO, quer os da parte angolana, percorreram quase todas as províncias do País e elaboraram um documento bastante interessante, que, na minha opinião, poderia vir a constituir um passo importante para esta reabilitação da Agricultura”, descreve.
“Infelizmente”, observa Fernando Pacheco, nesta altura, para além da paz, o País teve a “graça ou desgraça” de ver a produção de petróleo aumentar significativamente, chegando quase aos 2 milhões de barris/dia, e, ao mesmo tempo, o preço do barril a rondar os 150 dólares.
“Isso criou uma atmosfera de consumismo que prejudicou imenso o sector agrícola. E esse projecto da FAO foi metido na gaveta e, em seu lugar, apareceu aquilo a que um saudoso colega, que já não está connosco, chamava o ‘Dubai Agrícola’. Ou seja, os grandes projectos, os tais projectos megalómanos na Agricultura, que, num número de quase 30, gastaram perto de 2 mil milhões de dólares, e o resultado foi quase zero”, sentencia.
Não se aprendeu com as lições do tempo
Fernando Pacheco lamenta que o País não tenha visto no referido período de abundância financeira uma oportunidade para estruturar a produção nacional e a sua cadeia de valor.
“Nesse período, deveríamos ter organizado, criado, implementado projectos estruturantes, projectos que nos permitissem, por exemplo, ter boas instituições, termos a possibilidade de produzir sementes, termos a possibilidade de fabricar fertilizantes, de fabricar instrumentos de trabalho e outros equipamentos”, aponta, inconformado.
Diz que, ao contrário do que era expectável, se gastou fundos na “produção directa, e, ainda por cima, uma produção directa não do sector privado, mas sim empresas públicas”, sem ter em conta “os insucessos” do passado.
“Estou a referir-me principalmente aos anos 70, 80. É verdade que a guerra contou um pouco, e eu, até, diria não foi sobretudo a guerra, mas a falta de atenção devida ao sector”, elenca.
O agrónomo insiste que “tudo isso que podia ter sido feito” no período de abundância financeira “não foi feito”, porquanto as atenções estavam “viradas para o outro lado”, o que “prejudicou extraordinariamente” a Agricultura, com esta abordagem a repetir-se anos a fio.
Fernando Pacheco sublinha que se fizeram várias coisas ao mesmo tempo e os projectos de larga escala tiveram “um erro em comum: foram feitos em papel, não se tiveram em conta a experiência passada, as características afro-climáticas, as condições sócio-culturais da população, nada disso teve em conta”.
A chegada de João Lourenço ao poder e o peso político da Agricultura
Fernando Pacheco fixa o ano de 2017, de eleições em Angola, como o começo de uma nova era para o sector agrícola, com a chegada ao Palácio Presidencial de João Lourenço, sobre quem diz ser um conhecedor do "cheiro da terra molhada".
O engenheiro agrónomo relata que, de lá para cá, além da chegada de um Presidente com “vocação” para o campo, como descreve João Lourenço, duas outras coisas aconteceram e determinaram o virar de página no sector.
Entretanto, faz questão de sublinhar que a sensibilidade do actual Presidente da República para as causas agrícolas não é, por sua ordem de relevância, o primeiro dos três indicadores de mudança…
Acompanhe o resto desta interessante conversa entre o jornalista Sebastião Vemba e o agrónomo Fernando Pacheco no seguinte link: https://youtu.be/CGJyLm-QDjg?si=PLj7ESMtEbaJK_Jk