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PATROCINADO

“As Instituições financeiras praticam juros proibitivos para o agro-negócio”

Leonor Simões Ferreira e Redacção E&M
9/3/2024
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Foto:
Isidoro Suka

Sónia Leitão, Co-fundadora da Fazenda 27, uma Empresa agro-industrial, fala sobre o papel das mulheres no agronegócio, um sector imerso em inúmeros desafios segundo descreve.

Quais os principais desafios que o sector agro-industrial em Angola enfrenta?

Os principais desafios do sector Agro-industrial em Angola nos próximos 10 anos, estão relacionados o grau de eficiência que terão as políticas de governo para estes sectores, algumas já em prática, outras ainda por desenhar e implementar, mas sempre a começar na agricultura como garante de insumos para abastecer a indústria transformadora.

Temos desafios directos relativos à dificuldade em adquirir sementes de boa qualidade, resistentes, com bom grau de eficiência e à falta de apoio financeiro aos pequenos produtores para o fazer; a dificuldade de acesso aos meios para trabalhar a terra, tractores e maquinaria; os preços elevados dos fertilizantes, insecticidas e pesticidas, o facto da maioria das culturas do país estar dependente apenas de rega pluvial, com dificuldade de acesso a outras formas de irrigação.

Se segue o fraco nível de conhecimento e pesquisa educacionais de agro-negócio,muito pela inexistência de institutos governamentais de apoio e pesquisa durante o plantio em sementeiras de forma que se obtenha maiores níveis de eficiência.

Depois da colheita vêm as dificuldades de armazenamento e distribuição das produções agrícolas, associada a uma baixa rede de transportes e comunicação interprovincial e a falta de uma regulamentação a nível de preços dos produtos agrícolas de forma sustentável e com cobertura nacional. Têm sido registadas situações onde por falta de apoio financeiro, pequenos produtores são financiados por grupos de comerciantes, muitos deles estrangeiros, principalmente provenientes da RDC que depois das colheitas, desvalorizam o produto para aumentar os seus lucros

O fomento à formação de cooperativas agrícolas com um maior apoio jurídico por parte de organismos especializados do estado, poderá ser uma solução para que os pequenos agricultores possam aceder aos financiamentos para colmatar as necessidades técnicas e de insumos para uma maior eficiência das plantações.

Constitui também um desafio, a baixa valorização do produto nacional, pelos próprios

angolanos que ainda não acreditam e desconhecem que há muitos produtores a produzir com qualidade. As grandes redes de distribuição dão preferência à comercialização de produtos importados em detrimentos dos nacionais porque se revêem nos negócios da importação pela exportação de capitais para empresas estrangeiras que representam os seus interesses.

As instituições financeiras estão preparadas para financiar o agro-negócio de modo a impulsionarem o crescimento, produtividade e inovação? Quais os principais entraves?

Não, as instituições financeiras não estão preparadas para financiar o agro-negócio nem o agro-negócio está num estágio de maturação que consiga recorrer ao financiamento.

Por um lado, as Instituições financeiras praticam juros proibitivos para o agro-negócio, uma vez que este sector da economia tem uma taxa de retorno de investimento muito variável conforme a cultura praticada, bastante vulnerável às alterações climáticas, ainda muito artesanal e de baixa produtividade, o que dificulta a rentabilização do negócio. Mesmo como as ajudas de políticas governamentais para redução de taxas de juros (Exemplo do Aviso 10 do BNA), as garantias solicitadas muitas vezes inviabilizam o financiamento porque os produtores não reúnem os requisitos exigidos e não oferecem garantias bancárias aceitáveis, porque muitas vezes, nem a terra possuem em seu nome. Há pouca confiança nos produtores agrícolas (principalmente nos pequenos produtores) porque as Instituições financeiras percebem que não existe um nenhum sistema credível e funcional de suporte à produção agrícola, principalmente a quem recorre ao crédito. Os produtores estão por sua conta e risco.

Os produtores por outro lado, também não estão preparados para serem financiados porque não conseguem oferecer garantias de produtividade por falta de apoios das administrações locais, falta de registos, falta de um plano estruturado, com identificação dos produtores e das suas produções, falta de legalização das sua terras, ausência completa do sistema de cooperativas, apenas para citar alguns dos problemas.

Que medidas podem ser adoptadas para promover a inclusão de mulheres e jovens no sector agro-industrial e assegurar a sua participação activa no desenvolvimento rural?

O papel da mulher na agricultura familiar é amplamente reconhecido em Angola, pois a mulher é o elemento fundamental quando se trata de mão-de-obra para as lavras familiares, que são o sustento da família durante todo o ano.

Mesmo em fazendas com um nível mínimo de organização, as mulheres são a mão- de-obra favorita para os trabalhos sazonais, onde são feitas as campanhas de capinagem ou de plantio, ou ainda de colheitas manuais. Isto porque o seu nível de trabalho é muito mais eficiente em termos de velocidade de execução da tarefa, dado que a mulher, por necessidade de desempenhar muitas tarefas, habituou-se a trabalhar de forma veloz e eficiente.

No entanto, quando se trata de um agro-negócio bem estruturado e já com maquinaria suficiente para todo o trabalho agrícola, a mão-de-obra preferida é a masculina, uma vez que as mulheres, por falta de formação e pelo seu papel familiar na nossa sociedade, a maioria das vezes não têm acesso à educação escolar, quanto mais à técnica.

Assim, algumas das medidas a serem adoptadas para a inclusão das mulheres no agro-negócio seriam:

O reconhecimento dessa condição de provedores e que lhes fossem dadas as ferramentas, os apoios para que o possam fazer não apenas para o sustento da família e venda na beira de estrada, apoios e incentivos à formação das mulheres e jovens, quer a nível escolar, quer a nível técnico, o engajamento das organizações do legal para a criação de cooperativas de trabalho agrícola, pois só assim se poderá criar a base de um trabalho agrícola justo, eficiente, virado para o futuro, auto sustentado, inclusivo e direccionado para as necessidades alimentares do País.

Quanto à promoção da inclusão dos jovens no sector, mais uma vez é um trabalho que deve ser feito em parceria entre a educação familiar e a instrução escolar para os ofícios e neste caso específico para a produção rural (agro-pecuária).

Estado já existentes, na planificação de uma formação específica nas disciplinas base para uma agricultura estruturada, mecanizada, eficiente e direccionada para as necessidades de Angola; planos assertivos de controlo de natalidade, de saúde pública, maior acesso à educação para os filhos, maior acesso a organismos de apoio.

Como encara os desafios da exportação e aumento da presença no mercado internacional?

A certificação é importante e fundamental porque garante a padronização relativamente, à qualidade dos produtos, à higiene, à segurança no trabalho e sustentabilidade ambiental, em suma garante a produção sustentável e a segurança alimentar que colocará os produtos e produtores nacionais na condição de poder competir em melhores condições ou igualdade de circunstâncias, com os produtos estrangeiros. Portanto, sem certificação as possibilidades de exportação ficam seriamente comprometidas pelo questionamento da sua condição de produção. Aqui, mais uma vez, temos um grande desafio, porque não há laboratórios de análises de qualidade à altura no país, o processo de certificação é extremamente oneroso e muito pouco conseguem atingir esse objectivo.5. Produzir em Angola já é uma oportunidade de negócio rentável para quem tiver o seu negócio bem estruturado? Há um aumento da procura de produtos nacionais?

É uma oportunidade sim, mas quanto a ser rentável, já é uma questão complexa. Os desafios, para não lhes chamar obstáculos, são inúmeros. Desde as precárias infra- estruturas do país (vias de acesso quase inexistentes ou em mau estado de conservação, rede de energia e água inexiste em muitas áreas), ao altíssimo custo do transporte que é maioritariamente rodoviário, ao baixo nível de escolaridade e instrução da população, principalmente em áreas longe dos grandes centros humanos. Acresce-se a isso, os incentivos fiscais de pouco impacto, uma carga fiscal elevada e legislação que demanda em demasia para as contrapartidas e protecção oferecidas. 

Podemos dizer que paulatinamente o consumidor começa a dar mais valor ao que é produto local/nacional, mas a procura do consumidor ainda é na sua maioria, por preço e não por origem do produto, principalmente no contexto de grandes dificuldades económicas que a maioria da população atravessa.

Que recomendações faz ao nível de melhoria de políticas públicas e ambiente de negócios?

A necessidade da desburocratização e mais transparência nos processos que passam pelas instituições do Estado. A falta de conhecimentos do cidadão sobre o curso a seguir para obtenção de algo a que é obrigado pelo estado (licenças por exemplo), nunca são suficientemente transparentes e isso dá origem aos oportunismos e fomenta a corrupção.

Melhoria dos sistemas de distribuição, transporte e comunicação também são fundamentais para um bom ambiente de negócios. A criação de mais escolas e institutos vocacionados para o agronegócio e indústria e dinamização das já existentes. Programas educacionais que incluíam a legislação sobre terra e agricultura, que instruam sobre as novas tecnologias, principalmente sobre o uso dos recursos disponíveis no país.

Programas educacionais que incluíam a legislação sobre terra e agricultura, que instruam sobre as novas tecnologias mais principalmente sobre o uso dos recursos disponíveis no país.

Considerando os impactos das alterações climáticas, como podem as mulheres assumir um papel relevante e diferenciador no desafio de tornar Angola num país mais resiliente, sustentável e com segurança alimentar?

Educação familiar para a valorização do que é nosso e das vantagens que isso nos pode trazer a todos os níveis, a médio e longo prazo. Educar os filhos no sentido de olhar para o nosso país como um lugar onde o meio ambiente, a terra, os rios e florestas devem ser protegidos, onde vale a pena trabalhar, investir, porque reúne todas as condições elementares para vir a ser uma potência agrícola e transformadora.

A educação ambiental não pode ser ignorada e onde as mulheres, definitivamente, têm um papel preponderante, podendo quebrar o ciclo de pobreza, na medida em que que podem e sabem como cuidar das terras, respeitar as práticas ancestrais, e assim traçam um futuro melhor para si e para as suas filhas, através do melhor exemplo possível.