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Assim não chegamos lá

Moniz Sebastião
10/10/2024
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Foto:
DR

Essa prática revela a nossa prioridade em impressionar os de fora, em vez de garantir o conforto e bem-estar daqueles que habitam o espaço diariamente.

Os cidadãos precisam de honestidade para elogiar e reconhecer o que está bem, mas também de coragem para apontar o que está mal e sugerir soluções. Somos cidadãos deste país, e cada um de nós tem a responsabilidade pelo que se espera dele: o bem-estar de todos.

Em Angola, uma recente visita de Estado do presidente americano Joe Biden, programada para ocorrer de 13 a 15 de outubro, foi subitamente adiada. No entanto, o anúncio do adiamento não foi o ponto mais marcante; o que chamou a atenção foi a enxurrada de preparativos que se seguiu, como pinturas de fachadas, reabilitação de estradas e a limpeza minuciosa de áreas urbanas, algo não visto regularmente. Isso levanta uma questão fundamental sobre a nossa mentalidade: trabalhamos para satisfazer visitas ou para atender às necessidades diárias dos cidadãos?

Esse comportamento reflecte o que ocorre em muitas famílias angolanas. Compram-se pratos, copos e toalhas bonitas que são reservados apenas para os visitantes. No dia a dia, no entanto, os membros da casa utilizam o básico e o desgastado. Essa prática revela a nossa prioridade em impressionar os de fora, em vez de garantir o conforto e bem-estar daqueles que habitam o espaço diariamente.

A mesma lógica parece ser aplicada pelos governantes. As obras de limpeza, recolha de lixo e embelezamento da cidade, que deveriam ser parte de uma rotina de manutenção para o benefício dos próprios angolanos, ganham valor acrescido quando há visitas de alto nível. Não seria sensato que esses serviços básicos, que conferem dignidade à população, fossem executados constantemente?

Este comportamento sugere uma ausência de vontade política para garantir qualidade de vida aos cidadãos. O governo demonstra saber exactamente o que é necessário para melhorar o ambiente urbano e a vida da população, mas a implementação dessas melhorias é restrita a momentos oportunos, voltados para impressionar visitas, principalmente estrangeiras. Isso não é apenas uma questão de negligência; é um reflexo de uma gestão que coloca a fachada à frente das necessidades reais; as infra-estruturas à qualidade de vida.

Talvez os presidentes ocidentais, ao anunciar visitas, estejam inadvertidamente a "ajudar" o país ao forçar essas mudanças temporárias. Se mais líderes, como Putin ou Xi Jinping, anunciassem visitas ao Sumbe ou a Ndalatando, quem sabe não veríamos "milagres" acontecerem, com obras urgentes finalmente sendo realizadas? Seria uma forma irónica, mas eficaz, de provocar melhorias a curto prazo.

Este cenário expõe um problema mais profundo: por que precisamos de uma visita internacional para fazer o que é necessário? Por que o povo angolano continua a viver abaixo da dignidade, mendigando por melhorias em seu próprio território? Enquanto o país busca causar boa impressão a estrangeiros, os angolanos permanecem à margem, aguardando que o básico lhes seja garantido.

Além disso, para que haja um verdadeiro avanço, é preciso que, tanto os governantes quanto os cidadãos, tenham coragem de enfrentar a verdade. Reconhecer os erros e falhas não é sinal de fraqueza, mas de compromisso com o progresso.