Ainda assim, são múltiplos os exemplos de empresas que olham para este desígnio como se se tratasse de um conjunto de ações de comunicação ou boas práticas de um manual de vendas. Nada de mais errado e superficial.
Este é um processo que, acima de tudo, clama por uma cultura empresarial forte, centrada na criação de valor para o cliente, em que todos os seus representantes se devem considerar “embaixadores da marca” em todos os momentos de verdade na interação com o mercado. O vendedor é tão responsável pela imagem de marca como a telefonista, motorista ou CEO.
Não é um slogan, promessa na brochura institucional ou qualquer ação criativa tirada da cartola que garante o reposicionamento da orientação de uma empresa para o cliente. É a prática diária em toda a hierarquia da empresa, na qual a primeira lição a tirar é que todos dependemos dos clientes para sobreviver e crescer profissionalmente. Afinal, são eles que pagam os ordenados de todos.
Com a finalidade de avaliar quanto perto ou longe estamos dessa realidade, faz sentido levar a cabo um pequeno diagnóstico interno, com o contributo de todos:
Os recursos humanos são treinados e colocados a par dos objetivos da centralidade do cliente?
Os valores prometidos da empresa são efetivamente vividos, com provas dadas no mercado (por parte dos clientes), ou representam meras intenções de boas práticas?
A estrutura da empresa e a repartição de funções está organizada por gestores de produtos ou por gestores de clientes?
A segmentação do mercado é estática e descritiva ou centrada nas atitudes, emoções e benefícios dos clientes?
A força de vendas está alinhada com a proposta de valores da marca?
Os incentivos comerciais relativos à fidelização são equivalentes aos aplicados para a aquisição de novos clientes?
Os conteúdos digitais são coerentes e consistentes com os valores da marca ou apenas "marcam o ponto" para dizer "presente"?
De que forma os colaboradores estão aptos para resolver diretamente as queixas dos clientes e lhes é dada autoridade para tal?
Há complementaridade total entre Marketing, Vendas e Pós-Venda?
Todos conhecemos empresas que dificultam a interação com clientes nos mais variados momentos de verdade: quando queremos encerrar uma conta ou não renovar um contrato; quando nos deixam 20 minutos ao telefone em espera depois de termos percorrido todas as teclas do telefone, quando não se respeitam prazos de entrega, quando o atendimento é sofrível, etc… Na realidade, tudo isto se resolve e pode contribuir para a redução drástica do atrito junto dos clientes, mas nenhuma medida terá êxito se a mensagem que vem de cima é a de que “isso dá trabalho, custa dinheiro e o Excel não gosta”.
Paralelamente, é bom não esquecer cerca de 50% dos consumidores já manifesta a sua opinião nas redes sociais. E vai aumentar! O que significa que essas empresas vão passar mais tempo a “apagar fogos” do que a criar valor. E esse pode ser um processo em espiral, sem cura.
Gestor de marketing que não trabalhe diretamente com a área comercial e, sobretudo, que não esteja completamente a par daquilo que são as preferências dos clientes, quanto à forma como se conquistam ou se perdem, está no departamento errado.
Para ficarmos com uma ideia mais clara da ausência dessa cumplicidade, bastaria que cada uma das nossas empresas respondesse às seguintes perguntas:
quantas vezes o marketing visita formalmente clientes (não considerar eventos ou workshps)?
de entre os principais clientes, quantos conhecem a equipa do nosso departamento de marketing?
em que situações o marketing e as vendas aparecem conjuntamente na interação com clientes?
Esta responsabilidade e compromisso só pode ser materializada com o contributo direto do C-Level, constituindo-se como uma vocação natural de uma empresa que ambiciona crescer, seja por via da manutenção dos seus clientes ou pela captação de novo mercado.
Uma lógica de centralidade no cliente é, sobretudo, uma questão cultural. Que parte da alteração de comportamentos e depois se explica em processos. O ponto de partida não consiste em focalizar nos benefícios e atributos do produto, mas na experiência individual dos clientes, fruto da conjunção de diferentes impactos, em outros tantos momentos de verdade (pré-venda, venda ou pós-venda).
Ora, isso não é um atributo diferenciador, eleito numa sessão de brainstorming ou de design thinking, mas antes uma forma de estar e atuar, assente numa estratégia comercial clara, precisa e dinâmica, muito próxima dos clientes. A única que, a prazo, tem reflexos positivos no Excel!
A centralidade no cliente não é um puzzle de boas intenções; é um jogo infinito, sempre imperfeito e nunca resolvido!