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Encarregados de educação e instituições de ensino de costas viradas

Cláudio Gomes
28/4/2020
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Foto:
DR

O governo angolano obrigou os encarregados de educação e estudantes do ensino privado superior a pagarem até 60% das propinas, alegando a garantia do salário dos professores e pessoal administrativo.

A decisão que decorre do decreto executivo conjunto tripartido, dos ministérios das Finanças, da Educação e do Ensino Superior, publicado recentemente, autoriza as instituições de ensino privado e público-privado a cobrar propinas mensais, sendo até 25% para as escolas comparticipadas e 60% para os colégios.

Se por um lado a medida traduz a vontade de se atenuar a carência vivida por professores das referidas instituições, assim como evitar possível falência das mesmas, considerando que são obrigadas a pagar os docentes, por outro lado, consideram os consumidores, ela é injusta e desproporcional, porque se trata de pagar por um serviço que não foi prestado.

A posição dos encarregados de educação tem merecido a solidariedade da Associação Angolana dos Direitos do Consumidores (AADIC), e de várias outras entidades que, através das redes sociais, apoiam-se na lei de defesa do consumidor que proíbe o pagamento de bens e serviços não usufruídos.

No entanto, os gestores de instituições de ensino privado e de escolas comparticipadas aplaudem a iniciativa do Governo, mas consideram que, ainda assim, as receitas não serão suficientes para cobrirá 100% dos seus encargos.

Segundo o gestor escolar Mateus Javela, em entrevista à E&M, antes mesmo da publicação do decreto do Estado de Emergência, muitos estabelecimentos de ensino privado apresentavam “convulsões financeiras, fruto da crise económica”. Acrescentou que a medida do Governo “não vai resolver o problema, muito pelo contrário, poderá sobrecarregar mais as instituições de ensino, caso se prolongue o Estado de Emergência”.

Embora muito contestado nas redes sociais, o presidente da Associação de Ensino Particular (ANEP), António Pacavira, aplaude a medida do Governo, sublinhando que qualquer que fosse a decisão, os associados da agremiação não fariam resistência.

Na mesma linha de pensamento está o gestor Albano Kusendela, que considera que a medida do Governo está imbuída de algum senso de justiça. “Com essa medida, o Governo quer assegurar, pelo menos, o normal funcionamento das instituições de ensino privado e permitir que as famílias que delas dependam tenham o mínimo para garantir a sua sustentabilidade”, afirmou, reconhecendo, entretanto, que a situação actual das famílias é muito mais preocupante, considerando o facto de o seu poder de compra, ao longo dos últimos anos, ter reduzido devido à crise financeira.

A fonte lamenta o facto de muitos gestores de instituições de ensino prejudicarem os trabalhadores em função de uma gestão danosa dos recursos angariados nos tempos de bonança.

Para a Associação Angolana dos Direitos do Consumidor (AADIC),a decisão do Governo é ilegal, uma vez que, no mês de Abril, as instituições privadas não deram aulas, que seria o produto essencial na relação contratual.

O encarregado de educação Osvaldo Manuel, que é obrigado a pagar a propina da filha de sete anos que frequenta 2ª classe numa escola comparticipada, considerou que a ANEP, na pessoa do seu presidente, “é o grande vencedor da guerra” travada pelos carregados de educação e as instituições de ensino. No Facebook, o também profissional de comunicação afirmou que tem sérias dúvidas de que os salários dos professores e funcionários administrativos representem a principal razão da cobrança de até 60 % das propinas no ensino privado.

Já Dário Vidal, outro internauta que aceitou falar a respeito do imbróglio, atirou-se contra o Governo, afirmando que é altura de o Estado valorizar mais as pessoas e perceber que quem trabalha não deve ser tratado como um mendigo.

“Não tendo beneficiado do serviço, porque devo assumir o seu custo?”, interrogou-se, tendo sugerido o recurso à poupança dos trabalhadores na Segurança Social para o pagamento dos seus salários.

Por sua vez, o activista político Carlos Lopes considera que a decisão é política e socialmente errada. “Não havendo prestação de um serviço de ensino pela escola privada ao aluno, este não tem de pagar e, juridicamente, o contrato fica suspenso, até a escola voltar a ensinar”, lembrou.

Recorde-se que, no início do ano, A Associação do Ensino Privado (ANEP) travou uma luta para aumentar as propinas, para contrapor o elevado custo de estrutura e inflação registada no país.

O Governo acabou por aprovar o ajustamento do valor das propinas e emolumentos referentes ao ano lectivo de 2020, em todas as instituições particulares de ensino (de base, geral, médio e universitário), que não devem ultrapassar os 13% de aumento sobre o valor cobrado anteriormente.

O documento, assinado pela ministra das Finanças, Vera Daves, foi feito com base na consulta aos departamentos ministeriais da Educação e do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, bem como às associações das instituições privadas de ensino e estudantes, em representação dos operadores do sector, e estará em vigor, após a sua publicação em Diário da República, ainda este ano.

Em entrevista à E&M, António Pacavira afirmou que “na justificação económica e financeira, a percentagem definida tem como variáveis de base a inflação dos anos precedentes e actual, bem como o peso dos serviços de educação e ensino no Índice de Preços do Consumidor Nacional, que é de 5,8%. Este indicador é de baixa flutuação ao longo do ano, com excepção dos meses de Fevereiro e Março, altura em que iniciam as aulas, respectivamente no ensino de base, médio e superior”.