O que antecede a decisão sobre a abertura de uma nova rota? Tirando os casos em que essa opção é puramente política – como foi, por exemplo, a inauguração de um voo entre Caracas e Teerão – existe todo um processo de avaliação económico-financeira que é pouco familiar para o grande público.
Este artigo reflecte justamente sobre esse processo no âmbito da nova rota da TAAG entre Luanda e Madrid, que começa a 27 de Junho e que marca o regresso histórico da TAAG à Europa para além de Portugal.
O primeiro passo deste planeamento consiste em verificar a existência de procura para a rota em questão, calcular os seus custos operacionais e fazer uma previsão plausível da potencial receita gerada com base num modelo tarifário que essa procura aceitaria comprar. Quando existe concorrência, esse modelo já existe e a nova companhia pode querer justamente colocá-lo em causa, oferecendo mais frequências, horários mais adequados, melhor programa de milhas ou, simplesmente, colocando preços mais baixos no mercado. Para certas companhias, torna-se também importante considerar e avaliar o potencial de passageiros em trânsito para outros destinos e a capacidade que a companhia poderá ter de oferecer essas conexões. Os passageiros em trânsito são, no entanto, menos rentáveis – geram volume para “encher” o avião mas a sua receita, além de ser baseada em tarifas mais baixas para o destino final, tem de ser dividida financeiramente entre dois voos – se for na mesma companhia, essa divisão é puramente interna, se for entre duas companhias diferentes implica o efetivo pagamento de um determinado valor à outra companhia aérea que executa o voo. Dados macro-económicos como crescimento do PIB e do investimento entre países ou potenciais fluxos de turismo e de empresas são igualmente relevantes.
Após confirmar que a rota é efectivamente viável, o segundo passo é formular uma análise estratégica de custo-oportunidade: será esse o melhor uso a dar para esse avião? Ou existe uma outra rota igualmente viável mas com melhor uso ou com custos operacionais mais baixos? Quais são os riscos e qual é o retorno de cada uma das opções?
E no final, faz-se a verificação operacional e de marketing, ou seja, verificação da existência de “slots” nos aeroportos para os horários, a coordenação dos horários com os destinos de ligação com maior volume, tripulações e infra-estruturas necessárias e disponíveis, apoio de marketing, distribuição e comercialização no novo destino
Um histórico atribulado: a experiência da Iberia entre Madrid e Luanda
Entre Novembro de 2011 e Junho de 2016, a espanhola Iberia voou sem escalas entre Madrid e Luanda com dois voos semanais às segundas e sextas-feiras em horários e dias de operação semelhantes aos da TAAG e com um avião de 260 lugares. Se avaliarmos os dados de 2015, o último ano civil com operação completa, a média de passageiros a bordo desse voo, voando apenas entre as duas cidades, era de 29 passageiros, ou seja, cerca de 10%. Os restantes passageiros a bordo estavam apenas em ligação para outras cidades da rede da Iberia e das suas associadas, utilizando Madrid como aeroporto de transferência.
A oferta da Iberia complementava igualmente os voos do grupo IAG para Angola que incluíam dois voos semanais às quintas e domingos da British Airways, entre Londres e Luanda, favorecendo a presença e a importância da companhia espanhola no mercado angolano. O facto da Iberia ter cancelado esta rota em 2016 e da British Airways o ter feito também em 2018 significa que, ou encontrou outras rotas mais lucrativas onde operar o mesmo avião e/ou esta rota não era rentável.
Como é que evoluiu a procura entre Madrid e Luanda após o encerramento desta rota direta? Com base na evolução até 2019, o último ano pré-pandemia, a procura entre Madrid e Luanda continua aproximadamente ao mesmo nível do que em 2015, ou seja, não existe nenhuma mudança significativa nesta rota derivada à existência ou inexistência de um voo sem escalas. A única diferença é que em 2019 e nos dias de hoje nenhum destes passageiros viajou em voo directo e que a grande maioria desses passageiros (66%) o fez via Lisboa com a TAP. Com apenas 2 voos por semana e sem estar integrada num grupo de aviação e/ou num programa de milhas internacional, a TAAG vai ter dificuldade em atrair estes passageiros que voam entre ambas as cidades. Se a Iberia, integrada no IAG, conseguiu no seu auge apenas 60%, a estimativa inicial para a TAAG poderá facilmente situar-se nos 20%, a menos que as tarifas sejam francamente baixas o que, num período de alta do petróleo, será pouco sustentável. Acrescente-se ainda a dificuldade inicial da TAAG em se implementar num mercado novo para onde nunca operou e onde não tem escritório nem equipa própria. Ou seja, a TAAG arrisca-se a voar 8 horas entre Luanda e Madrid com apenas 10 passageiros “Ponto-a-Ponto” (que corresponde ao tráfego puro entre as duas cidades). De que forma é que a TAAG vai encher os restantes 280 lugares? Com as conexões à partida de Madrid? Era aquilo que a Iberia fazia, mas que não foi suficiente. Por outro lado, combinar conexões entre companhias diferentes sem nenhum histórico de aliança ou de cooperação comercial pode revelar-se marginal e com um prazo de implementação prolongado. Existe sempre a opção de conectar passageiros em Luanda – usando o aeroporto actual, portanto. É outro desafio. Enquanto a Iberia dispunha de uma rede espanhola, europeia e norte-americana com mais de 100 destinos num terminal 4 de Madrid com as melhores infra-estruturas, os destinos regionais da TAAG são poucos e com um volume limitado de passageiros de/para Madrid. O destino africano mais procurado à partida de Madrid (Malabo, na Guiné Equatorial) nem sequer é servido pela TAAG.
Nada pior para uma companhia aérea do que aviões parados
De acordo com o horário apresentado e com as informações disponíveis, o avião da TAAG fica 17 horas parado em Madrid. Entende-se: será um voo noturno em ambos os sentidos, optimizando-se assim as ligações para a África do Sul e Moçambique. Mas este estacionamento prolongado tem um custo factual em taxas aeroportuárias. E um avião parado significa uma oportunidade perdida para fazê-lo render, pois só voando é que um avião gera receita para uma companhia. Em Lisboa, por exemplo, os aviões da TAAG faziam o chamado “turn-around” (o tempo que permanecem no aeroporto de destino até regressarem à base) em cerca de 3 horas antes da pandemia, permitindo uma maior produtividade e rendimento dessa aeronave. Que outra alternativa tinha ou tem a TAAG em vez de deixar o avião parado durante tantas horas? Dentro daquilo que se vislumbra ser uma nova parceria entre a TAAG e a Cabo Verde Airlines, ocorre-nos o uso desse avião para operar para o Sal, por exemplo. Em 17 horas, o avião conseguiria ir e voltar a Cabo Verde antes de continuar para Angola.
Se a Iberia, integrada no IAG, conseguiu no seu auge apenas 60%, a estimativa inicial para a TAAG poderá facilmente situar-se nos 20%, a menos que as tarifas sejam francamente baixas…
Será Madrid a escolha certa para a TAAG?
Para melhor entendermos se a escolha de Madrid é acertada, escolhemos fazer uma comparação entre Madrid, Roma e Porto, lembrando que os voos para o Porto já existiram e que o seu regresso está anunciado para 27 de Junho com o mesmo número de frequências semanais – duas – do que Madrid. Por outro lado, Madrid e Roma são das poucas capitais Europeias Ocidentais sem voos para outros países da África Sub-sahariana.
Quadro comparativo entre Madrid, Roma e Porto com base em 2019 para Angola, Cabo Verde e destinos da África sub-sahariana servidos via Luanda
Deste quadro, resulta claro que, perante o cenário actual, a retoma dos voos Luanda-Porto faz sentido e reforça a posição de líder da TAAG no tráfego ponto-a-ponto entre Portugal e Angola. A possibilidade de aproveitar esse mesmo avião para ligar, em voo directo, Porto com Cabo Verde corresponderia a algo que vai acontecer em voos charter operados pela espanhola Privilege Style no pico deste Verão. Mas para além desse mercado turístico que se pode estimular com voos directos regulares todo o ano, existe também a diáspora. A adesão da TAAG a um programa de interline virtual estabelecido e que já abrange a EasyJet, Transavia e Vueling permitiria usar o terminal do Porto como preferencial para ligações a uma extensa rede de destinos europeus aos quais a TAAG não tem actualmente acesso. O interline virtual tem a vantagem de não exigir nenhuma tarefa administrativa de gestão de tarifas intermodais nem de exigir um controlo de inventário para a qual a TAAG tem recursos limitados. A combinação de todos estes factores poderia inclusivamente permitir à TAAG aumentar as suas frequências para o Porto para o voo quase diário permitindo um uso mais produtivo dos seus aviões e tripulações.
A procura entre Madrid e Luanda continua aproximadamente ao mesmo nível do que em 2015, ou seja, não existe nenhuma mudança significativa nesta rota derivada à existência ou inexistência de um voo sem escalas.
Como salvar Luanda-Madrid e evitar um novo Luanda-Dubai?
Seria interessante aproveitar esta nova rota para Madrid de forma a permitir ligações a Havana e eventualmente permitir que a TAAG deixe de operar a sua rota mais longa ou de o fazer apenas em ocasiões especiais. Lembrando que, em 2019, a TAAG transportou mais de 16 mil passageiros para Havana. Ainda assim, a TAAG estaria sempre limitada à aprovação tarifária da Iberia para essas ligações e Havana é um dos destinos com a taxa de ocupação mais alta e mais procurada da Iberia. Abrir uma rota Luanda-Malabo será uma opção para atrair alguns dos 55’707 passageiros que voaram entre Madrid e Guiné Equatorial, ex-colónia espanhola, em 2019...mas a que custo? Seria uma rota ideal para os novos Dash-8, no entanto, a sua proximidade com Luanda também faz com que não seja fácil coincidir simultaneamente com as chegadas e partidas dos voos para Madrid. A celebração de um interline virtual permitirá conectar com qualquer voo e qualquer companhia em Madrid sem estar dependente da tarefa administrativa de introduzir as tarifas em sistema. Para este voo ter sucesso, cada passageiro a mais que a TAAG conseguir colocar a bordo vai contar.
Talvez haja quem se lembre dos voos operados pela TAAG para Dubai entre 2008 e 2015, inclusivamente no tempo em que a Emirates estava à frente da gestão da companhia. Foi publicamente conhecido que os mesmos Boeing 777 de 300 lugares que vão agora voar para Madrid transportavam, frequentemente, menos de 50 passageiros a bordo para o Dubai, algo que não acontecia com os voos da Emirates pela força das ligações que oferece. Poucas frequências semanais, aviões vazios (ou cheios de tarifas baixas), custos fixos e petróleo em alta não rima com rentabilidade.
Fica por isso a pergunta: quando a TAAG era gerida pela Emirates voava para o Dubai, será que agora que o CEO é espanhol tem de voar para Madrid?!