A crescente emigração de membros da classe média angolana para Portugal tem suscitado debates sobre as razões que motivam famílias a deixarem para trás bens materiais valiosos e, muitas vezes, empregos bem remunerados no seu país de origem. Este fenómeno, inserido num contexto global de mobilidade humana, é analisado no Relatório Mundial sobre Migração de 2024 das Nações Unidas, que identifica uma busca geral por melhores condições de vida, estabilidade e oportunidades para as gerações futuras.
Contudo, existe amplo debate sobre as vantagens e desvantagens desse movimento migratório, especialmente quando se considera que Portugal, destino preferencial dos angolanos, enfrenta desafios semelhantes. A juventude portuguesa também se vê forçada a emigrar em busca de melhores oportunidades e empregos mais bem remunerados, muitas vezes para países como França, Luxemburgo, Alemanha ou Reino Unido. Assim, do mesmo modo que os angolanos abandonam o seu país em busca de um futuro melhor, os portugueses fazem o mesmo, deixando para trás empregos menos atractivos que acabam por ser ocupados por imigrantes.
Além disso, a realidade económica em Portugal apresenta barreiras significativas para os recém-chegados. Os estudantes estrangeiros (ou "internacionais") enfrentam propinas universitárias mais elevadas, e o país vive uma crise habitacional grave, com rendas elevadas em praticamente todo o território. Um imigrante sem qualificação formal, geralmente, aufere entre 850€ e 900€ (salário mínimo), enquanto uma habitação T3 pode custar entre 800€ e 1200€, dependendo da localização. Esse cenário obriga muitos imigrantes a partilhar residência, vivendo em quartos minúsculos de cerca de 9m² (3m x 3m).
Como consequência, muitos imigrantes acabam por enfrentar condições precárias, com um número crescente de pessoas em situação de rua, dormindo em estações de transporte ou debaixo de pontes, enfrentando um inverno rigoroso, para o qual poucos estão preparados.
Diante deste quadro pouco simpático, a pergunta que não se quer calar é: o que justifica a emigração da classe média angolana para Portugal? Este artigo pretende explorar hipóteses explicativas sobre as motivações e tendências desse fenómeno que não pode ser encarado de forma leviana.
Quem é a Classe Média em Angola?
A definição da classe média varia conforme os critérios utilizados. Segundo o Banco Mundial e a ONU, a classe média é composta por indivíduos que ganham entre 10 e 50 dólares por dia em Paridade do Poder de Compra (PPC). Em Angola, o Instituto Nacional de Estatística (INE) utiliza uma abordagem baseada no rendimento mensal, no acesso a bens de consumo e no nível educacional.
Em termos práticos, a classe média angolana inclui funcionários públicos de categorias médias e superiores, profissionais liberais, pequenos empresários e gestores de empresas privadas. Estes grupos têm poder de compra superior ao da população geral, podendo pagar escolas privadas para os filhos, adquirir bens de consumo e viajar ao exterior. No entanto, enfrentam dificuldades quando comparados com a classe média de países desenvolvidos, devido à instabilidade económica e social do país.
Factores Determinantes da Emigração Angolana
1. Insegurança e Instabilidade
Embora Angola viva um período de paz, a corrupção persistente, a ineficácia dos serviços públicos e o aumento da criminalidade são factores que contribuem para o sentimento de insegurança e instabilidade.
A insegurança é sentida dentro de casa, nos transportes públicos e na via pública, sobretudo nas grandes cidades. Casos de raptos e assaltos envolvendo menores a caminho da escola geram grande ansiedade entre os pais, podendo desencadear stress, ansiedade e até quadros de psicose social. Como resultado, muitas famílias procuram países onde a organização social e o respeito pelo Estado de direito sejam mais sólidos.
2. Educação e Futuro das Crianças
A qualidade do ensino em Angola é frequentemente questionada. Escolas privadas oferecem melhor formação, mas são inacessíveis para muitas famílias. Em contraste, Portugal é visto como um destino onde os filhos podem ter acesso a uma educação de maior qualidade, com possibilidades de ingresso no ensino superior europeu. Além disso, o ambiente multicultural da Europa é visto como uma vantagem para o desenvolvimento pessoal e profissional das novas gerações.
3. Desafios Económicos e Diversificação de Riscos
Angola é uma das maiores economias africanas, mas a sua dependência do petróleo torna-a vulnerável às crises internacionais. O impacto disso é visível no aumento da pobreza, com muitas pessoas a recorrer a contentores de lixo em busca de comida, uma situação alarmante.
Os bancos angolanos oferecem poucas vantagens financeiras, e a inflação elevada deteriora o poder de compra. Já em Portugal, mesmo com dificuldades, o acesso ao trabalho é mais garantido, ainda que em condições precárias. Para muitas famílias, ter um emprego, mesmo que mal pago, é melhor do que enfrentar o desemprego e a incerteza em Angola.
4. Reagrupamento Familiar e Redes Migratórias
A existência de familiares e amigos já estabelecidos em Portugal facilita a migração, pois reduz riscos e custos iniciais. O apoio de uma rede de conhecidos encoraja mais angolanos a seguir esse percurso, criando um ciclo contínuo de migração.
No entanto, um aspecto delicado desse processo é a decisão de alguns emigrantes de enviarem a família para o exterior enquanto permanecem no país de origem a sustentá-la à distância. Embora, em muitos casos, essa seja uma escolha baseada em razões económicas ou estratégicas, há quem veja essa prática como uma forma de "divórcio sem litígio", abrindo espaço para a fragilização dos laços conjugais e a possibilidade de envolvimento com terceiros.
Ainda que essa interpretação possa conter alguma verdade em determinadas situações, trata-se, em última instância, de uma decisão pessoal de cada casal, que deve ser tomada com maturidade e diálogo, considerando os desafios e impactos emocionais da separação prolongada.
5. Acesso a Benefícios e Nacionalidade Europeia
A possibilidade de obtenção da nacionalidade portuguesa após alguns anos de residência é um factor crucial para muitos emigrantes. Ter um passaporte europeu significa maior mobilidade e oportunidades dentro e fora da União Europeia.
Para Além da Necessidade: Aspirações e Estilo de Vida
A migração não ocorre apenas por necessidade, mas também por aspirações de bem-estar e qualidade de vida. Entre os angolanos, pesa muito a percepção de desigualdade e o desejo de um futuro mais promissor para as suas famílias.
No entanto, a realidade muitas vezes contrasta com as expectativas. O custo de vida elevado, a dificuldade de integração e a precariedade laboral são desafios que muitos só percebem depois de emigrar.
Conclusão
A decisão de emigrar não se resume apenas a questões económicas. Para a classe média angolana, a saída para Portugal é motivada por uma combinação de factores, incluindo segurança, educação dos filhos e bem-estar familiar.
Entretanto, Portugal não é um paraíso. O país enfrenta dificuldades económicas, falta de habitação e uma crescente crise social, com imigrantes a viverem em condições precárias. Este cenário levanta a questão: será que a emigração da classe média angolana para Portugal é uma solução viável ou apenas um adiamento de desafios que poderiam ser enfrentados em Angola?
A resposta depende da capacidade de cada família em se adaptar à realidade europeia e das oportunidades que conseguirem criar. Entretanto, este fenómeno deve servir de alerta para Angola, que precisa urgentemente de melhorar as suas condições de vida para evitar a fuga da sua população economicamente activa e qualificada.