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As falhas na gestão de bens públicos: Um problema persistente e as possíveis soluções

Moniz Sebastião
24/10/2024
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Foto:
DR

Este ciclo vicioso de serviços deficientes e dívidas astronómicas dos consumidores e das empresas é um problema que permanece praticamente inalterado há décadas.

Desde a independência de Angola em 1975, a gestão dos bens públicos tem sido marcada por ineficiências e desafios contínuos, sobretudo no sector de abastecimento de electricidade e água. A Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) e as empresas públicas de abastecimento de água (EPAL em Luanda, EASBIE no Bié, e outras como a Empresa de Águas do Lobito - EAL e a Empresa de Águas de Benguela - EAB) enfrentam dificuldades tanto na prestação dos seus serviços como na cobrança das receitas. Este ciclo vicioso de serviços deficientes e dívidas astronómicas dos consumidores e das empresas é um problema que permanece praticamente inalterado há décadas.

1. O Problema das Dívidas Acumuladas

Grande parte do problema reside no facto de que os consumidores finais furtam-se a pagar pelos serviços que consomem, seja por uma cultura de incumprimento, seja pela falta de meios adequados para garantir a cobrança. Assim, as dívidas crescem sem cessar, tanto do lado das empresas, que não conseguem cobrir os custos operacionais, como do lado dos consumidores, que acumulam dívidas impossíveis de liquidar. A falta de um mecanismo eficaz de cobrança é um obstáculo que perpectua este cenário.

Infelizmente, ao longo dos anos, muito pouco foi feito para inverter este quadro. Limitamo-nos a lamentar, e, de certa forma, há uma conivência generalizada que alimenta este ciclo de ineficácia. As dívidas crescem, e o Estado continua a subsidiar serviços que, em teoria, poderiam ser autossustentáveis com uma gestão mais eficiente.

2. O Sistema Pré-Pago: Uma Solução Viável?

O modelo de sistema pré-pago, quer para o fornecimento de electricidade, quer para a água, tem surgido como uma solução prática para este problema. Em algumas partes de Luanda, o sistema já foi implementado e tem mostrado resultados promissores. Neste modelo, o consumidor adquire um saldo de acordo com a sua capacidade financeira e consome esses serviços dentro das suas possibilidades. Quando o saldo esgota, o serviço é suspenso até que o cliente o renove. Isto permite uma gestão mais racional dos recursos, tanto para os consumidores, que controlam melhor o seu consumo, como para as empresas, que reduzem significativamente o risco de acumulação de dívidas.

Na centralidade Horizonte, no Cuito, a empresa Kora introduziu este sistema para a electricidade e o abastecimento de água, com a possibilidade de um adiantamento de mil litros de água, que são descontados no carregamento seguinte. Este mecanismo tem evitado atrasos nos pagamentos e garantido um fluxo mais estável de receitas. Nessa centralidade, tanto a empresa como os clientes não enfrentam os problemas crónicos de dívidas, demonstrando que este modelo é eficaz em determinadas condições.

3. Por que o modelo não é ampliado?

Apesar do sucesso em algumas áreas, o modelo pré-pago não tem sido amplamente implementado em outras partes do país. Surge, então, a questão: por que razão este sistema não é alargado para além das centralidades? As explicações variam. Pode-se apontar a falta de recursos financeiros ou técnicos para a sua implementação em massa. Contudo, é possível que o modelo pós-pago, que permite uma maior flexibilidade na cobrança e nos prazos de pagamento, beneficie certos segmentos da sociedade ou grupos de interesse que não têm incentivo para promover uma mudança estrutural.

Além disso, muitos dos ocupantes de habitações nas centralidades recusam-se a pagar os valores acordados no acto da entrega dos imóveis, agravando ainda mais o problema. Questiona-se se o Estado possui informações bancárias e mecanismos para monitorizar o cumprimento das obrigações financeiras desses cidadãos. Se tal informação não está disponível, o processo de atribuição desses imóveis deveria ser revisto, de modo a garantir que os beneficiários assumam as suas responsabilidades.

4. Outras soluções possíveis

Uma solução radical, mas que poderia ser considerada, seria a instalação de sistemas que bloqueiam automaticamente o acesso às habitações em caso de incumprimento dos pagamentos. Embora controversa, essa medida poderia forçar os residentes a cumprirem as suas obrigações de forma mais imediata. Contudo, a sua implementação levanta questões éticas e sociais, especialmente num país onde a pobreza e a desigualdade ainda são uma realidade significativa.

Além disso, o governo poderia considerar uma maior fiscalização e responsabilização das empresas e dos consumidores. A utilização de tecnologias mais avançadas, como contadores inteligentes e sistemas de monitorização remota, poderia melhorar a eficiência do processo de cobrança e reduzir as perdas.

A gestão de bens públicos em Angola enfrenta desafios profundos que não se resolvem com soluções superficiais. Embora o modelo pré-pago tenha mostrado ser uma solução viável em algumas áreas, a sua implementação em larga escala requer vontade política, investimento em infra-estruturas e, acima de tudo, uma mudança na cultura de gestão e consumo de recursos. Continuar a ignorar o problema, ou fingir que ele não existe, apenas perpectua a crise. Chegou o momento de agir com determinação, não apenas para resolver os problemas actuais, mas para garantir um futuro mais sustentável e eficiente para a gestão dos bens públicos no país.