Um clube descompassado, mergulhado numa crise financeira sem precedentes. Impacientes e agastados, sócios e adeptos não param de exigir, com urgência, uma reviravolta no quadro. O futebol, modalidade ‘rainha’, longe de experimentar os momentos áureos, é a evidência deste turbulento percurso por que passa o Clube Desportivo 1.º de Agosto. No passado sábado, 16, mais um episódio de desencontro atravessou o caminho do 1.º de Agosto, com os sócios a apreciarem negativamente o Relatório de Gestão e Contas referente ao exercício de 2023.
Na Assembleia-Geral Extraordinária, que teve lugar no Pavilhão Paulo Bunze, integrado no vasto património do clube afecto às Forças Armadas Angolanas (FAA), cerca de dois mil dos três mil sócios orientaram que o documento concebido pela direcção de Carlos Hendrick regressasse para se proceder à devida conformação das contas, antes mesmo de avançar para o crivo do Conselho Fiscal.
Há quem, no descrito “acalorado” encontro, tenha levantado a narrativa de uma eventual gestão danosa associada à actual direcção. Mas, Altino dos Santos, chefe do Estado-Maior General das FAA, e, nesta condição, por força dos Estatutos do clube, presidente da Mesa da Assembleia-Geral, acalmou os adeptos, nos termos segundo os quais a reunião não foi de aprovação de contas, mas de apreciação.
"Nós não falámos de gestão danosa aqui, embora tivesse sido levantada por alguns sócios. Consideramos que, por não ser a apresentação do relatório e para a sua aprovação, não nos referimos se houve ou não gestão danosa. Cada um interpreta o resultado da votação", atirou o general de Aviação.
Citado pelo Jornal de Angola, Altino dos Santos reportou que a reunião “foi um debate acalorado, próprio dos actos” que têm a dimensão da Assembleia-Geral, admitindo que os sócios chegaram à conclusão que o relatório “teve uma apreciação negativa” dos membros.
“Foram baixadas indicações para que trabalhassem rapidamente e, no prazo estabelecido, entregassem o relatório de contas para a sua aprovação. Se não for neste mandato, deixámos ao critério da próxima Assembleia-Geral", afirmou o presidente da Mesa da Assembleia-Geral de um dos mais titulados clubes do desporto angolano.
A propósito da repercussão desta informação na imprensa, a direcção do emblema veio a terreiro esclarecer, em nota, que o exercício feito ”não foi de aprovação ou reprovação” do Relatório de Gestão e Contas.
“A pedido dos associados, apreciou-se o supracitado documento. Assim sendo, a contagem efectuada serviu apenas para se ter as devidas ilações sobre a avaliação feita pelos sócios sobre o desempenho no exercício de 2023”, lê-se na nota.
A braços com uma crise financeira, que já dura três anos, com o montante do passivo a rondar os 9 mil milhões de Kwanzas, como adiantou, recentemente, Pedro Godinho, conhecido dirigente desportivo nacional, também ele sócio do clube, a agremiação caminha para a realização de eleições gerais, para composição de novos corpos sociais para o ciclo 2024-2028.
Carlos Hendrick, general que preside à formação há 13 anos, depois de ter substituído no cargo o irmão, também general, Raul Hendrick, é candidato à sua própria sucessão e terá a concorrência de dois outros aspirantes ao cadeirão máximo da instituição desportiva.
Apesar de ser alvo de contestação por círculos do clube, sobretudo adeptos, CH goza, igualmente, de simpatia por parte de alguns sócios, que lhe são gratos por um leque de realizações e conquistas, entre as quais o domínio do Girabola na última década - conquistou quatro troféus, contra dois do rival, Petro de Luanda.
Mas há quem considere o maior legado do actual presidente do D’Agosto o plano de reforço do património imobiliário do clube criado em 1977, com a construção do Estádio França Ndalu como o principal expoente deste programa.
O estádio, com uma capacidade para 20 mil espectadores, e inaugurado, o ano passado, para acolher partidas do Girabola (menos as de grande risco), é o cartão-de-visita da Cidade Desportiva, igualmente este um projecto lançado na ‘era General Hendrick’.
É, aliás, a ele também associado o plano de consolidação da Academia do clube, que permitiu, na última década, o lançamento para o futebol profissional, sobretudo na Europa, de talentos saídos da 'cantera' da agremiação militar. Gelson Dala, Show, Ary Papel, Mário, Zito Luvumbo, Nelson da Luz são nomes sonantes do futebol nacional formados na academia rubro-negra.
Do ponto de vista competitivo, além das conquistas seguidas do Girabola, esta nata de talentosos futebolistas, com um ou outro reforço vindo de fora, foi protagonista de uma das mais bem-sucedidas campanhas do clube nas competições africanas: a memorável participação, em 2018, na Liga dos Campeões, em que o clube angolano caiu, nas meias-finais, aos pés do Espérance de Tunis, num jogo em que os militares se queixaram de ‘campo inclinado’, anti-jogo e factores extra-desportivos.
Um fardo pesado chamado crise milionária
Não obstante o descrito percurso de Carlos Hendrick, é, também, durante a sua gestão que o clube está a viver o pior momento da história, com uma crise financeira espoletada após o Estado ter reduzido significativamente a verba canalizada há décadas à agremiação desportiva.
Informações postas a circular pela imprensa nacional, nunca, entretanto, desmentidas pela direcção do clube e pelas autoridades governamentais, referem que, antes da crise, o 1.º de Agosto recebia, via Forças Armadas Angolanas, uma dotação financeira mensal acima de 800 milhões de Kwanzas, tendo este valor sido reduzido para apenas 200 milhões Kz/mês.
O volume do corte foi justificado com o facto de a instituição desportiva não constituir uma unidade orçamental nem um órgão dependente sobre cuja gestão e financiamento o Governo tenha responsabilidade directa, avançou o Novo Jornal.
Com a crise instalada nas hostes da equipa rubro-negra, cujo passivo estima-se em 9 mil milhões Kz, a prestação do emblema militar nas provas tanto internas como africanas de futebol e basquetebol observou uma quebra assinalável.
No Girabola, a mais importante prova de futebol do País, o 1.º de Agosto tem visto, nos últimos dois anos, o arqui-rival, Petro de Luanda, a ‘passear a sua classe’ e a dominar a competição - os militares levam, entretanto, vantagem no confronto directo nas últimas épocas -, e, lá fora, há cinco épocas que o clube não alcança sequer a fase de grupos da ‘Champions’ africana.
Mas mais mediático que isso têm sido a fuga de jogadores para outras agremiações, sobretudo no basquetebol, e os atrasos salariais, responsáveis por registos de falta de treinos.
Por conta de problemas de pagamentos, ex-atletas já vieram a terreiro anunciar que avançaram, inclusivamente, com processos judiciais contra o clube.
Carlos Hendrick não ‘joga a toalha ao tapete’
Carlos Hendrick é um dos três nomes da lista de concorrentes à direcção do Clube Desportivo 1.º de Agosto às eleições aprazadas para o dia 30 do corrente mês.
Gouveia Sá Miranda, também general, e o advogado Egas Viegas completam o grupo de concorrentes ao pleito cujo desfecho espera-se marcar uma nova era nas hostes do clube militar.
Nesta altura, o processo, que tem à testa da Comissão Eleitoral o também general Pedro Neto, está na fase de conformação das listas de candidaturas, para o pontapé de saída da campanha eleitoral.
Depois da redução dos valores pelo Estado, tem crescido nos corredores da massa associativa do clube e da opinião desportiva nacional a ideia segundo a qual o clube deve passar por um processo de reformulação, que traga outra concepção na política de captação de receitas, aliás, como o fez o seu ‘eterno’ rival, o Petro de Luanda ‘de’ Tomás Faria.
Fundado a 01 de Agosto de 1977, o 1.º de Agosto, afecto às Forças Armadas Angolanas, é uma histórica agremiação do desporto nacional, que conta com uma significativa massa associativa espalhada em todo o País.
O clube, dos mais titulados de Angola, é a maior instituição desportiva nacional em termos de prática de modalidades e instalações desportivas.