A propósito do Dia da Criança Africana, efeméride que se celebra neste domingo, 16 de Junho, a revista Economia & Mercado (E&M) traz histórias sobre a vida no Lar de Nazaré, uma casa que acolhe petizes e ajuda manter viva a esperança de um futuro próspero.
Localizado no bairro Vidrul, município de Cacuaco, o Lar acolhe mais de três dezenas de crianças e adolescentes, essencialmente dos sete (7) aos 18 anos. Muxima, de 22 anos, e Margareth Carlos, de 19, são excepções.
As duas cidadãs, de acordo com a irmã Generosa Canguya, responsável pelo Lar de Nazaré, ‘violam’ a regra da casa por razões especiais: São estudantes inscritas no Ensino Superior, com estatuto de bolseiras, que esperam pela conclusão dos cursos e a entrada no mercado de trabalho.
Com as chuvas que se abateram na cidade capital, o espaço que comporta três salas (3) quartos, refeitório, cozinha, corredor e um balneário no interior tornou-se exíguo para albergar todas as crianças.
Segundo constatação da E&M, dois dos quatro quartos da casa estão evacuados, por causa das fissuras nas paredes, que perigam os moradores casa pintada com a cor rosa. No entanto, é no corredor, logo à entrada, e refeitório por onde se socorrem os petizes. As camas estão perfiladas umas à frente das outras.
A casa tem regras próprias. Embora não esteja tipificado em um estatuto orgânico, os petizes sabem que devem levanta às 6 horas e 30 minutos, mais tardar, porque às 7 horas, antes do pequeno almoço, acontece a sessão de trabalhos em grupo, sempre dependendo de escalas. Enquanto uns preocupam-se com a higiene das casas de banho, outros seguem, também, para a confecção dos alimentos.
A refeição acontece no quinta, rigorosamente na parte frontal, onde estão colocadas as mesas, feitas de madeira, com espaço para duas cadeiras cada. Depois da refeição, atestam os moradores da casa, segue o horário das aulas, para os petizes do ensino primário, sobretudo. A escola está há pelo menos 15 metros de casa.
No período da tarde, já em casa, e depois de largarem as mochilas, a recepção dos petizes faz-se de muita conversa, no refeitório (onde está instalado o televisor plasma de 48 polegadas), e, posteriormente, das animadas brincadeiras no quintal de terra argilosa.
“Eles estão sempre sorridentes e focados, como qualquer outra criança”, afirma um dos elementos da estrutura administrativa do Lar de Nazaré.
Adelino e Messias, por exemplo, apesar de pequeninos na estatura e idade, sabem, 'ao detalhe', o que pretendem ser no futuro. Aliás, não mostram receios quando abordados pela equipa da E&M. É aos risos que os dois meninos falam.
Messias quer ser jogador. “Vou jogar no Real Madrid, onde o Vinícios Júnior joga”, atira o pequeno de sete (7) anos. Chegou ao Lar quando ainda mais pequeno, depois da morte dos pais. Segundo o menino, a irmã Generosa é a única figura materna que tem.
Diferente de Messias, Adelino, também de sete (7) anos, quer ser um engenheiro de petróleo. Para o pequenino, o 'engenheiro de petróleo' faz petróleo.
Adelino tem preferência por “um bom funge de pala-pala”, normalmente no jantar, já que no pequeno almoço, a outra refeição do dia, o pão com chá é praticamente ‘inegociável’.
É órfão de pai. Entretanto, a mãe e os outros três irmãos vivem na província de Benguela. O pequeno não sabe explicar porque razão não está com eles. Sente saudades, mas vive feliz com os irmãos de ‘circunstância’.
“O messias é meu irmão. Todos aqui são meus irmãos. Uns ainda estão na escola”, finaliza.
Margareth e Muxima, as mais velhas do Lar
Margareth Carlos, de 19 anos, e Muxima, de 22, são as mais velhas do Lar Nazaré. As duas estão recolhidas no quintal, depois de uma manhã de aulas e trabalho. Muxima, que além de estudante no terceiro ano do curso de Análises Clínicas é trabalhadora, está aparentemente mais agastada.
Tratada como a mana mais velha de casa, Muxima tem a ‘inegociável’ missão de cuidar e educar cada criança, apesar do ‘pesado’ fardo que carrega diariamente.
“Na realidade, nós não podemos desenhar a situação como se fosse um mar de rosas. É mesmo muito triste analisar que na nossa sociedade ainda muitas crianças estão fora do núcleo familiar. Então é triste, mas eu acredito que muitas das crianças que estão aqui, se não estivessem aqui certamente estariam na rua. Então é melhor estarem aqui conosco do que na rua, talvez em situações piores, a padecer, doente ou a sofrer algum tipo de abuso”, explica.
À E&M, Muxima conta que se juntou ao Lar Nazaré há muito tempo, depois de ter visto a mãe partir para a ‘outra dimensão’ da vida. Conhece outros familiares, mas deles não recebe o carinho e apoio igual que no Lar dirigido pela irmã Generosa Canguya.
“Mas a vida é assim, é cheia de altos e baixos, até para quem tem algo melhor que nós. Tem sempre um dia que não é o melhor dia, mas nós temos que estar sempre no nosso melhor dia. Então nós temos que acreditar todos os dias que existe um Deus nos céus e manter a fé, ter determinação e o mais importante, o mais importante, estudar muito para que um dia consigamos alcançar aquilo tudo que desejamos”, finaliza.
Margareth Carlos chegou ao Lar Nazaré pelas mãos da irmã Generosa Canguya, em 2018, depois da morte da mãe, única parente com quem vivia. À E&M, conta que, por ocasião, os país se encontravam separados.
“Infelizmente, a vida prega peças em nós e a mamã morreu. Eu vivia com a mamã. Então, a irmã generosa, como é muito solidária, tem um coração verdadeiramente generoso, viu a causa e sabia que eu não tinha com quem ficar naquela época, porque era muito complicado. sou filha de pais separados, então ela me acolheu”, explica.
Com 19 anos, Margareth está inscrita no curso de Ciência da Informação, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho. Entretanto, apesar de apta, suspendeu o curso, no ano académico que encerra, para frequentar, no próximo (2025/2026), o curso de Comunicação Social.
“Eu quero ser jornalista no futuro. Já não vou voltar a testar, mas recomeçar o primeiro ano. Gosto de jornalismo porque acredito que a informação é poder. Manter as pessoas informadas, passar uma informação com clareza, não é que seja algo inexistente no nosso mercado, mas é o que nós precisamos fortalecer a cada dia que passa”, justifica.
“A nossa despensa está mal. Conduto já não se fala”
À E&M, Generosa Canguya fala das actuais dificuldades com que se bate enquanto responsável do Lar de Nazaré, fundado a 15 de Setembro de 1999. Falta de tudo um pouco, principalmente capacidade logística para garantir as refeições diárias.
“Nesse preciso momento, a nossa despensa está mal em termos de alimentação. Conduto já não se fala, as arcas estão vazias, tínhamos feijão, mas também foi. Nem açúcar, nem óleo, não temos. Ficou só alguns saquinhos de arroz”, atira.
Para minimizar os efeitos, o centro optou em fazer ‘cortes’ de alguns hábitos alimentares. Por exemplo, muitas vezes comem arroz sem acompanhamento (sem carne, peixe ou frango). Noutras vezes, opta em 'guizar' o feijão com massa ou arroz.
Além disso, fala-se de dificuldades no acesso aos serviços básicos de saúde. O centro médico mais próximo fica em Kifangondo, ainda distante do bairro da Vidrul. O outro é o Hospital Municipal de Cacuaco, que fica na nova urbanização, mais distante ainda do Lar.
“Então compramos um terreno para produzir o que comer e comercializar. Também para fazer criação de gado, para que as crianças tenham carne. Mas estamos ainda no princípio. Nesse preciso momento temos muita fruta (bananeira, mamoeiros e laranjeiras). Este ano tínhamos também tomate, cebola, couve e berinjela. O problema é como escovar esses produtos”, finaliza.